Relativismo Moral, Realidade e Perversidade
Quando sou fraco exijo-vos a liberdade em nome dos vossos princípios; quando sou forte, nego-os em nome dos meus! A frase é de Charles Montalembert, um polemista francês do século XIX, liberal, colaborador do jornal L’ Avenir, e resume o relativismo moral, o princípio orientador de todas as religiões, o pilar de todos os poderes.
No dia 18 de Agosto de 2023, o jornalista David Pontes, diretor do jornal Público, escrevia em editorial “Para um jornal a verdade é a essência da sua missão e por isso não podemos deixar de repudiar a utilização do nosso grafismo para a difusão de mentiras” — um editorial a propósito da imoralidade de um partido político e do seu chefe que utilizam a mentira como instrumento comum e se mascararam (se travestem) com roupagens de entidades credíveis para fazer passar as suas mentiras, mas o Chega e o seu chefe visível são apenas fenómenos excrementários da filosofia do relativismo moral que se impôs como padrão do comportamento humano.
A relativização moral elimina as contradições de julgamento. Limpa a imagem de tiranias teocráticas do Médio Oriente feita com as compras milionárias de armamentos e agora de jogadores de futebol. Um assassinato com esquartejamento de um opositor, a mando de um príncipe das arábias, é relativizado, enquanto a prisão de um opositor a Putin é superlativado. A perseguição aos uigures na China é motivo de sanções, mas a perseguição dos curdos pela Turquia é negociável. Um migrante milionário que compra um visto gold é bem-vindo, enquanto um migrante magrebino é deixado a afogar no Mediterrâneo. A queima de um Corão na Suécia justifica mortos no Iraque e no Paquistão!
Somos condicionados desde o início da vida pela ideia de que a moral é um conceito natural. Que a obediência e a desigualdade estão inscritas na ordem do mundo, que a miséria, a pobreza, a fome e a doença são castigos divinos aos fracos e o enriquecimento obtido através da exploração sem limites dos recursos naturais e na lei do mais forte (atrás de uma grande fortuna está sempre um grande crime — Balzac) constituem um prémio aos fortes e aos eleitos dos deuses.
Sendo uma ideologia perversa, o relativismo moral é quase sempre caucionado por uma religião, o que lhe garante a eficácia provocada pelo medo de uma condenação eterna. Ora a noção de Bem e de Mal não é inata, não resulta da necessidade de sobrevivência da espécie humana, mas do interesse de grupos ou de indivíduos em impor o seu poder, aumentá-lo e justificá-lo. O valor em conformidade com a natureza dos seres vivos é a ética, o que deve ser feito, o que cada espécie deve fazer para sobreviver.
O sucesso universal e pandémico do capitalismo deve-se à capacidade de ao longo dos séculos os seus promotores terem transformado a moral, o Bem e o Mal, em mercadorias, em modas, e de terem alienado a ética como uma velharia. Na sua essência, o discurso moralista é subjetivo, egoísta, falacioso e totalitário, porque impõe como salvação geral a aceitação de uma verdade particular, mas o relativismo moral é perverso porque corrompe a essência dos valores.
O problema de defender valores morais é que estes resultam de conflitos de poder e a resposta às questões morais é sempre um juízo determinado pela relação de forças em presença. Isso significa que o juízo moral só é válido para o mais forte, o que não só é imoral, como é irracional, pois coloca em causa a sobrevivência de todos: fracos, fortes e os seus habitats.
Os nossos princípios e normas morais estão baseados, em última instância, em desejos e preferências estritamente subjetivos (David Hume).
É a subjetividade da moral que permite aos populistas, aos praticantes e propagandistas do relativismo dominante defender que deveríamos achar que ‘certo’ e ‘errado’ são propriedades inerentes às coisas e aos factos. Qualquer noticiário de TV constitui um bom exemplo desta ‘ordem’ que tanto julga a guerra na Ucrânia como as taxas de juro, as férias de milionários como a fome no Sudão.
O conflito entre a Moral e a Ética é uma das constantes da história da humanidade, e é da mesma natureza do conflito entre a Fé e a Razão, a quadratura do círculo que São Tomás de Aquino procurou explicar. Racionalmente, a relativização da moral, tal como a supremacia da fé sobre a realidade, são embustes, mas a moral e a fé existem, os homens criaram esses instrumentos, que embora perversos, lhe são indispensáveis quer enquanto indivíduos quer enquanto membros de uma sociedade.
A única novidade da atual fase do conflito entre o relativismo moral, da moral conveniente aos interesses, e a ética é a existência de armas com capacidade para o resolver definitivamente, o que coloca a humanidade no velho problema da fábula do escorpião que mata a rã que o transporta para ele não morrer afogado, porque é da sua natureza proceder assim.
Não é animador reconhecer o que escreveu Hans Kelsen, um jurista e filósofo austríaco, autor da Teoria Pura do Direito: Se existe algo que a história do conhecimento humano nos pode ensinar é como têm sido vãos os esforços para encontrar, por meios racionais, uma norma absolutamente válida de comportamento justo, ou seja, uma norma que exclua a possibilidade de também considerar um comportamento contrário como justo.