Portugal é uma Ilha?

Carlos Matos Gomes
3 min readFeb 21, 2024

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Portugal é uma Ilha? Quem ouvir os jornalistas que interrogam os políticos em campanha e o enxame de comentadores que esvoaçam sobre eles como moscas varejeiras só pode concluir que sim. E mais, uma ilha fora do tempo e do espaço, por onde não passam correntes marítimas nem anticiclones. Um território no meio do nada.

Ouvindo os assuntos que os jornalistas e respetivos enxames colocam aos políticos descobrimos que Portugal não sofre influências externas — não ouvi uma única questão sobre os impacto da guerra na Ucrânia, nem do genocídio de Gaza, nem da ação dos guerrilheiros d Iémen sobre as rotas marítimas do comércio, nem sobre as consequências do corte da Europa Ocidental coma Rússia, nem da desindustrialização e deslocalização das indústrias alemãs, o motor europeu, nem sobre a emergência dos BRICs e a nova moeda de troca mundial, nem sobre a má relação da União Europeia com o Mercosul, nem sobre o conflito no interior da oligarquia dos Estados Unidos entre os adeptos da intervenção externa como motor da economia (Democratas, maioritariamente) e os adeptos do investimento interno (Republicanos maioritariamente), nem sobre a relação entre o Euro e o Dólar, nem sobre a política do BCE (que é decisiva para a questão da habitação, por exemplo), nem sobre os pesadíssimos investimentos previstos na Europa para despesas militares a pretexto de uma ameaça de invasão Russa que tem sido difundida, em detrimento de investimentos produtivos.

Portugal é uma ilha? Parece que sim. Tudo é prometido sem que seja formulada a questão: como? Já agora, como vai ser mantido o turismo no Algarve sem água? E que impacto é que tem a redução do IVA na restauração se não tivermos clientes para se “restaurarem”?

O que responderá um dirigente político à pergunta: Quanto oferece de aumento de salários, seja o mínimo, o médio, o do setor privado ou da função pública, se o governo não controla nenhum dos fatores do custo de vida, se estes dependem da situação mundial, das guerras, das alianças, da bolsa de valores de Wall Street? No entendimento dos fotógrafos à la minute que surgem nos ecrãs nem vale a pena perguntar, nem comentar o que não foi dito. Penso que terá sido Cícero quem escreveu que o inimigo da verdade não é apenas a mentira, mas principalmente o silêncio.

O silêncio sobe os fatores determinantes do que está em jogo nas eleições é revelador da manipulação a que estamos sujeitos, levando-nos a discutir o puzzle de arranjos para formar um governo, se A casa com B e rejeita C. Se B não casa com C, mas se junta e conta com a complacência da sogra de A. É disto e sobre isto que se desenrola a campanha de esclarecimento. Histórias de becos e de vão de escada, de vidas comezinhas.

A alegoria da gruta de Platão é uma história retirada de A República, em que nos pedem para imaginar uma espécie de caverna subterrânea em que os seres humanos vivessem como prisioneiros desde sempre e possui uma parede de modo a que eles vejam somente o que se passa na parede paralela. Sombras do que os estão no exterior querem que eles entendam como realidade, a única imagem que os prisioneiros conseguem ver. Os de fora falam e gritam, criando ecos que os prisioneiros podem ouvir. Sombras e ecos são projeções distorcidas das imagens e dos sons reais. Saramago recriou de certo modo esta alegoria de sermos colocados em modo de ilusão em Ensaio Sobre a Cegueira.

Não abordar a questão da dependência de Portugal do estado do Mundo é fazer dos portugueses prisioneiros cegos. A melhor apreciação dos que criam este silêncio é o de ignorantes. A outra é a de manipuladores que utilizam a ignorância do seu público para lhes venderem ilusões.

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