Carlos Matos Gomes
4 min readFeb 2, 2020

O PCP, o Brexit e a Inépcia por Ilogicidade — ou a mistificação para crentes

O blogue — portugaldiarioilustrado — publica hoje (2/02/20) um texto intitulado: Contributo para o debate político, em defesa da soberania dos países e do direito das nações a escolher o seu próprio caminho para as democracias e os socialismos. Isto a propósito da posição do PCP sobre o Brexit.

https://portugaldiarioilustrado.blogspot.com/2020/02/o-pcp-e-o-brexit.html#more

Não confirmei a autenticidade do comunicado. Presumi ser autêntico. Se não for tanto melhor, confesso.

Interessei-me por saber a posição do PCP sobre o assunto. Deixo a minha estupefação.

Começa o texto por afirmar: A saída do Reino Unido não “Constitui uma derrota para todos quantos tentaram, através de inaceitáveis pressões, chantagens e manobras, quer na União Europeia, quer no Reino Unido contrariar a decisão soberana do povo britânico.”

Logo, seria de concluir que, para o PCP, a saída do RU constituiu uma vitória para todos quantos tentaram, através de inaceitáveis pressões, chantagens e manobras, quer na União Europeia, quer no Reino Unido contrariar a decisão soberana do povo britânico.” E a decisão soberana do povo foi sair.

Ainda segundo o comunicado: “Outrossim, no plano nacional, as forças políticas que representam o que resta da oligarquia britânica: a alta finança, que criou os paraísos fiscais e as grandes companhias imperiais, as maiores responsáveis pela crise ambiental, que reconquistam a sua plena liberdade de ação. Essa oligarquia assume uma estratégia que prevê a desagregação da União Europeia a curto prazo e antecipa o caos que sobrevirá, em função dos seus próprios interesses.”

Isto é, o povo e a oligarquia unidos na decisão do Brexit e na destruição da União Europeia, na defesa dos paraísos fiscais e na crise ambiental (!!!). E acrescenta que foi a propaganda chauvinista e anti-imigração que mobilizou a sua base de apoio popular e eleitoral, que não consente uma interpretação progressista do ato da saída. Em conclusão, para o PCP o que impede uma interpretação progressista para o Brexit não é (ou foi) o ato em si, mas a propaganda que o sustentou e, pelo que se presume, o apoio do governo de Trump à oligarquia inglesa. Mais, os ingleses, que há mais de oitocentos anos (805) se vão regendo por uma democracia assente na Magna Carta, são uns idiotas! Podem ser, mas sabem e sempre souberam decidir por si, por muita dificuldade que tenhamos em os entender. E não me parece politicamente adequado que o PCP trate por parvos os trabalhadores ingleses!

Ainda do comunicado: “O Brexit não constitui uma vitória sobre o medo, a submissão e o catastrofismo. E muito menos representa por isso um elemento adicional na luta por uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos. Apenas deixa o mundo mais próximo da nova crise financeira e do confronto belicista que ameaça a paz mundial.”

O que parece significar que para o PCP o Brexit nem é uma vitória sobre o medo e o catastrofismo, como deixa o mundo mais próximo de nova crise e de uma nova guerra” — o que para o PCP parecem ser boas coisas porque: “ A saída do Reino Unido da União Europeia representa um sério revés nas teorias da inevitabilidade e da irreversibilidade da União Europeia” — uma das ideias base do PCP sobre a União Europeia, de que esta é uma má casa cuja construção devia ter sido evitada e cuja perenidade deve ser questionada ou minada — mas “constitui uma derrota para todos quantos tentaram, através de inaceitáveis pressões, chantagens e manobras, quer na União Europeia, quer no Reino Unido, contrariar a decisão soberana do povo britânico” (!!!)

Então decisão soberana do povo britânico não foi sair da UE?

Com este comunicado fico sem saber se, afinal, para o PCP a decisão do RU de saída da União Europeia foi uma decisão soberana do povo, logo boa, se foi uma decisão da oligarquia, logo má, se a União Europeia é uma hidra de sete cabeças que realizou inadmissíveis pressões sobre o povo inglês para ele se manter na UE, logo uma má ação, ou se a saída foi apoiada por Trump e logo também má, incluindo a intenção de destruição da UE, e se esta destruição é boa ou má, na apreciação do PCP. Isto é, ao que parece entender-se pelo comunicad, tanto ficar, como sair da U E eram, para o PCP más decisões! Entre a U E e Trump não há diferença. Nem o diabo consegue escolher nem o PCP ajuda os pobres trabalhadores ingleses. Jeremy Corbyn, o líder trabalhista, não baloiçaria e nem baloiçou menos que o PCP. Não admira que os eleitores ingleses não o tivessem entendido e o tivessem remetido à insignificância.

Não me passa pela cabeça ensinar o PCP (ou Corbyn) a entretecer charadas políticas. Nem a dizer sim e o seu contrário no mesmo parágrafo. A mim bastar-me ia a sensatez de o PCP apenas se cingir à parte inicial do último parágrafo do sinuoso comunicado:

“O PCP considera que o Governo português deve tomar as iniciativas necessárias para assegurar o desenvolvimento de relações bilaterais mutuamente vantajosas entre Portugal e o Reino Unido, no quadro do respeito da soberania e igualdade de direitos de cada um dos países e dos direitos e aspirações do povo português e do povo britânico. “

Ficava por aqui, pois o acrescento: “Nesse sentido o PCP considera que a defesa dos interesses do povo português, e da comunidade portuguesa no Reino Unido, não deve ser condicionada ou colocada em causa por quaisquer imposições ou constrangimentos da União Europeia, nomeadamente no quadro da futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia” reflete apenas a enraizada oposição do PCP a uma qualquer União Europeia que vem do tempo da guerra fria e a mais umas contradições e falácias para consumo de militantes: a de que a defesa dos interesses da comunidade portuguesa no RU pode ser conseguida num quadro bilateral (isto é, que a comunidade portuguesa pode obter um estatuto diferente e mais favorável do que a das comunidades dos outros países, um lirismo enganador) e de que essa defesa pode ser deixada à boa vontade do governo do RU (outro lirismo e outro engano!) sem que a União Europeia negoceie e exerça naturais pressões.

Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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