Carlos Matos Gomes
3 min readOct 30, 2022

O Gémeo de Ompanda: O que somos? Quem somos?

Parece um grito de guerra de militares mas não é. É o título da Revista Science&Vie, de 1998, que descobri nas desarrumações em que estou envolvido.

“O homem é um produto do seu grupo” ou “O homem é apenas consciência??

A pergunta, ou perguntas devem ter contribuído para escrever o romance «O gémeo de Ompanda». São misteriosos os caminhos da imaginação e da escolha de temas para romances. A revista apresenta como subtítulo «Da Idade Média aos nossos dias: As diferentes visões sobre o homem.»

Reli vários artigos e detive-me no que me motivou a escolher o tema da aquisição da identidade para o romance no que afirma: «O homem é construído pelo seu grupo. Pela sua “entourage”, (os que o rodeiam) familiar, em primeiro lugar, depois pela sociedade que através das estruturas sociais reais lhe transmite os modos de pensar, de sentir e de agir» — O seu autor é Lauren Muccchielli e a figura de referência é Émile Durkheim e também o seu sobrinho Marcel Mauss.

O artigo afirma que “Não nascemos com as crenças religiosas, as nossas opiniões políticas, os nossos medos e as nossas esperanças no futuro. Todos estes elementos que constituem a nossa maneira de compreender o mundo e de nos situar nele não estão inscritos no nosso código genético. Forjámo-los a pouco e pouco ao longo da nossa vida, de um modo ou doutro adquirimo-los na família e depois na sociedade. […]

“A crença na desigualdade de raças humanas foi assumida pelos europeus como verdade absoluta até meados do século XIX: se os selvagens (os outros) acreditam num mundo povoado de espíritos escondidos na natureza é porque raciocinam num nível inferior ao nosso e, logo, têm um cérebro menos desenvolvido que nós.” (São infra-humanos).

Até aqui acompanho ao autor do artigo. Mas o que escrevi em “O Gémeo de Ompanda” questiona o seu raciocínio posterior, apoiado em Durkheim, que em 1903, na revista Ano Sociológico, apresentou a noção de «representação coletiva», que interroga o modo como uma sociedade determina o pensamento e a ação de cada elemento. Durkheim e Mauss afirmam que a sociedade transmite não somente «conteúdos de pensamento» (saberes e normas), como «contentores» para eles.

O homem seria, assim, um produto da sociedade onde vive. O problema surge quando a sociedade onde um ser vive e a sua família não são aquela a que os seus antepassados pertencem e a família é uma família de acolhimento. Que «conteúdos» (saberes, valores e normas) determinam então esse ser? Essa é a interrogação com que parti para o romance de uma criança cuanhama que vem para Portugal e aqui é educada até à idade adulta.

Na mesma revista, num artigo assinado por Marc Renneville: “ O homem não é senão consciência”, a referência é Freud, que propôs a teoria de que o comportamento humano releva de várias dimensões, da qual a consciência não é senão a parte visível. Ora, é uma outra componente, o inconsciente, que será determinante para o nosso pensamento e a nossa ação.

As três personagens principais do romance vivem a tensão do saber adquirido na sociedade onde vivem (o consciente) e o que se encontra na caixa negra do inconsciente vivido pelos seus antepassados (o inconsciente).

Reler esta revista com 24 anos e encontrar as dúvidas que me levaram a escrever «O Gémeo de Ompanda» levanta mais uma questão: que caminhos percorre o nosso inconsciente para nos rememoriar, para trazer o passado ao presente? Será a consciência da aproximação do fim que nos leva a acertar contas?

Onde situamos a História na análise do nosso presente? — os cientistas sociais e os pensadores com voz pública têm ignorado a questão do consciente do inconsciente nas tomadas de decisão que conduzem aos acontecimentos que as sociedades vivem.

Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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