O GPS e a mentira política

Carlos Matos Gomes
5 min readJun 6, 2024

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A mentira política tradicional incidia habitualmente ou sobre segredos autênticos, ou sobre intenções. Atualmente as mentiras políticas manipulam factos conhecidos de toda a gente. A técnica de mentira atual assenta no desvio da atenção e na negação ou adulteração de qualquer acontecimento cuja narrativa convenha ser estabelecida consoante os interesses de um grupo com capacidade para a impor.

Com as técnicas modernas utilizadas pelos massmedia é hoje muito mais fácil realizar a operação de reescrita da verdade do que alguma vez o foi. As duas mentiras políticas do momento dizem respeito, uma à autorização dada ao regime de Kiev pelo “Ocidente alargado” para utilizar as suas armas de longo alcance contra alvos no interior da Rússia. A outra mentira, a de que, de novo o “Ocidente alargado”, em particular os Estados Unidos, o seu cabeça de império, está muito incomodado com o massacre e chacina de Gaza, mas que os israelitas, e o seu cabo de guerra Netanyiahu, não seguem as determinações de moderação.

São duas mentiras. Quer a guerra na Ucrânia quer a chacina de Gaza estão dependentes de um sistema de localização e comunicação de dados que é propriedade do governo dos Estados Unidos: o GPS. O Global Positioning System é um sistema de navegação por satélite que fornece a um aparelho recetor a sua posição, a qualquer momento e em qualquer lugar na Terra. Encontram-se em funcionamento três desses sistemas: o GPS americano e o GLONASS (versão russa do GPS) e o Compass (BeiDou), chinês. Do sistema Galileo da União Europeia sabe-se que é tecnicamente muito bom, mas foi vencido pela concorrência, isto é, os Estados Unidos não autorizam que substitua o seu GPS.

O sistema americano é administrado pelo Governo dos Estados Unidos e operado pelo Departamento de Defesa americano. Tem o seu sistema de comando e controlo no estado do Colorado. A princípio, o seu uso era exclusivamente militar, posteriormente foi licenciado para uso civil, no entanto, acredita-se que num contexto de guerra sua função civil seria revogada para que o dispositivo voltasse a ser um instrumento exclusivamente militar. O sistema assenta numa “constelação” de 24 satélites, construídos pela empresa Rockwell, cada um circula a Terra duas vezes por dia a uma altitude de 20 200 quilômetros Até meados de 2000 o departamento de defesa dos EUA impunha a “disponibilidade seletiva”, que consistia num erro induzido no sinal, impossibilitando que aparelhos de uso civil operassem com precisão inferior a 90 metros. (Atualmente o GPS civil tem um erro entre 3,5 e 8 metros, enquanto o GPS militar tem um erro ´máximo da ordem dos centímetros). Pressionado a assinar uma lei determinando o fim dessa interferência no sinal do sistema o presidente dos EUA revogou essa determinação que pode ser reposta em tempo de guerra ou quando os EUA assim o entenderem. Como equipamento militar o GPS é usado para o guiamento de diversos tipos de armas de precisão, c bombas JDAM (Joint Direct Attack Munition) e mísseis “inteligentes”, para a navegação aérea, terrestre e marítima e até para a orientação individual de combatentes. Sem o GPS fornecido pelos Estados Unidos nenhum míssil disparado da Ucrânia voa para qualquer alvo nem qualquer avião israelita descola para bombardear escolas e hospitais. O GPS é propriedade do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Também debaixo do completo controlo da administração americana está a rede de satélites de espionagem / observação, e de comunicações, incluindo a rede Starlink de Elon Musk que fornece as comunicações na Ucrània. Isto é, toda a informação de referenciação de alvos na Ucrânia, na Rússia e em Gaza está sob o controlo direto dos Estados Unidos. Todos os aparelhos eletrónicos de todos os cidadãos e de todos os dirigentes políticos e militares estão sob o controlo dos EUA.

A encenação. Números de rábula, trata-se de uma rábula para massas crentes, das conferências de imprensa da Casa Branca e as aparições com ar compungido de Biden a garantir que está a fazer os possíveis para acabar com a chacina de Gaza. Esses números de hipocrisia seriam dispensados se ele desligasse o GPS dos israelitas e bloqueasse as informações fornecidas pelos satélites americanos. Também é dispensável a rábula da limitação de emprego de armas ocidentais na Ucrânia. As armas fornecidas pelo Ocidente — sejam espanholas, alemãs, inglesas, polacas, lituanas — são armas americanas, que têm os chips americanos e que só podem ser empregues nas condições que os Estados Unidos, enquanto proprietários, autorizam. E o emprego de outras armas obedece ao mesmo princípio, Todos os aviões F16, tal como os futuros F35, independentemente do seu utilizador, são americanos, apenas podem cumprir missões que os Estados Unidos autorizem ou a que não se oponham. Basta desligar ou interferir nos aviónicos, nos códigos-fonte dos sistemas, que se mantêm na posse dos Estados Unidos. Foi, aliás, o que aconteceu na já longínqua guerra das Malvinas, quando os franceses deram aos ingleses o código fonte dos mísseis Exocet que tinham vendido aos argentinos, para os ingleses os neutralizarem!

Nem Israel, nem a Ucrânia, nem o Reino Unido, a Alemanha, a França, a Itália a Polónia têm qualquer possibilidade de decidir o que fazer ou não fazer sem a autorização dos EUA.

Os noticiários, com reuniões de engravatados e fardados às mesas, as declarações com expressões mais ou menos compungidas ou mais agressivas são meras encenações. Biden e Bliken, são meros prestigiadores. Bastava-lhes um clique no interruptor do GPS e tudo se apagaria e deixaraim de fazer de todos nós meros manipansos, como os cães de plástico que antigamente ilustravam os automóveis abanando a cabeça.

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