Carlos Matos Gomes
3 min readDec 24, 2020

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O controlo do debate público

Controlar a opinião pública é um fator essencial ao exercício do poder em sociedades liberais. Só existe liberalismo com a opinião pública controlada. Parece um paradoxo, mas não é. O poder das sociedades liberais assenta no lucro e na sua acumulação. É mais rentável perder dinheiro numa cadeia de televisões e jornais do que pagar um sistema repressivo com polícias e prisões. As trombetas, os sinos, os tambores, os éditos e os púlpitos foram meios de controlo da opinião, por isso apenas os detentores do poder estavam autorizadas a utilizá-los. Na era da informação é crucial saber quem controla o debate público e como o faz, para reconhecermos os detentores do poder e, contrariá-los, na medida do possível.

A conquista do poder de impor o que os outros vão saber, ou ignorar, é essencial, porque é a partir dele que todas as ações de exercício de poder se justificam. Dominada a informação, todas as guerras passam a ser justas, todas as mentiras passam a verdades. Uma fake news é muito mais eficaz do que um carro da polícia com canhão de água!

A importância do domínio da opinião é conhecida de há muito como instrumento para impor uma vontade -objetivo da guerra -, mas entretanto aconteceu um facto novo, que pode ser designado por «trumpismo comunicacional». A tecnologia mudou profundamente a forma como as guerras são conduzidas, o que os anglo-saxónicos designam por warfare. No Brasil, após o uso do sistema judicial para derrubar a presidente Dilma Roussef, começou a utilizar-se o termo lawfare para designar a guerra feita com as armas da lei. Moro passou de juiz a general.

O «trumpismo comunicacional» é o que pode ser chamado como uma mediawarfare, a guerra através da utilização massiva, cientificamente planeada e executada através dos media, dos novos e dos convencionais, para conquistar as massas, entendidas estas como um objetivo mole, após terem sido desarmadas por ações de desgaste ao longo de anos de deliberada imbecilização da opinião pública. O ponto inicial deste processo de anestesia pode ser associado à desvalorização do ensino de disciplinas de humanidades, da filosofia e da história, que articulam o pensamento, ligam o passado ao presente, estabelecem fronteiras éticas e morais, em favor do ensinar a “fazer”, da substituição da educação pela domesticação. A imbecilização, ou alienação, tiveram por objetivo eliminar o sentido crítico e abrir caminho às mensagens enviadas por atiradores que invocam o respeitável título de jornalistas ou de analistas, mas que utilizam a mesma técnica dos twits de Trump: tiros e bombas sobre vítimas indefesas.

As televisões portuguesas têm sido um exuberante exemplo do funcionamento de centrais de manipulação deste tipo de lavagem ao cérebro, que rompe com o tradicional princípio que António Aleixo genialmente sintetizou: “A mentira para ser segura e ter profundidade tem de ter à mistura alguma verdade”.

O que o «trumpismo comunicacional», a mediawarfare , traz de novo é a eliminação do último resquício de verosimilhança à comunicação. Os novos técnicos de manipulação de opinião e a elite predadora entendem que as massas que vão cavalgar já nem necessitam desse módico de engano. Por isso negam a realidade com a maior desfaçatez, dizem e desdizem-se com o mesmo descaramento.

A aceitação das fake news e dos comentários adulterados confirmam que o debate público pode ser levado para lá da fronteira da racionalidade e da moralidade e revelam uma sociedade predisposta a aceitar tudo, como uma lixeira.

A informação das estações de TV, o “projeto” Observador, o movimento “Chega”, constituem alguns dos epifenómenos nacionais do «trumpismo comunicacional», da mediafare , das técnicas de devastação do sentido crítico para controlar a opinião, utilizando “figuras mediáticas” mercenárias como imagem de um grupo de assaltantes que garante ser respeitável e possuir a chave do Paraíso.

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