O Apocalipse da Imigração e os seus Cavaleiros Nazis

Carlos Matos Gomes
4 min read2 days ago

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Desde o início dos tempos que doenças, pragas, ciclones, terramotos, conflitos políticos e sociais têm servido para impor o domínio de uma minoria sobre uma maioria.

O medo, numa adaptação pessoal de uma citação da Bíblia, é o anzol dos cobardes que a todos apanha e ajunta na sua rede varredoura. (Habacuque). O medo é o mais eficaz instrumento de exercício do poder. O medo do outro é o mais antigo de entre a vasta panóplia de medos. O livro do Apocalipse da Bíblia anuncia o fim dos tempos com o medo dos outros: “Há de se levantar nação contra nação e reino contra reino. Haverá fome e terramotos em vários lugares. Tudo isso é o começo das dores.”

O “Ocidente Global” é a designação atual da “Terra Prometida” do “povo eleito” da Bíblia, de facto o “Ocidente Global” traduz uma delimitação de território típica das ideologias suprematistas que justificaram a inquisição, a colonização europeia, o colonialismo, o nazismo e o sionismo.

A eleição dos imigrantes e da imigração como a origem do mal e do fim dos tempos integra-se na estratégia dos grandes poderes que se impuseram nos Estados Unidos e na Europa de criar uma ameaça para justificar um estado de medo que, por sua vez, leva uma maioria a aceitar a sujeição a um tirano e a perda de direitos. Uma reedição da estratégia utilizada antes da Segunda Guerra pela Alemanha nazi.

Os movimentos que a manipulação de massas designa melosamente como populistas, nacionalistas, de extrema-direita são reproduções atualizadas das ideologias de domínio de minorias privilegiadas sobre as maiorias e fazem parte da sua estratégia de poder. O nazismo não está nos uniformes de botas altas, está nos meios de produzir desigualdades.

A eleição dos imigrantes como fator de medo por parte de Trump nos EUA e por vários movimentos neonazis na Europa que incluem entre outros o Chega em Portugal, o VOX em Espanha, a Liga do Norte, de Salvini, em Itália, a AfD na Alemanha, a FN ou o RN de Le Pen, em França, o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), de Nigel Farage, o Partido para a Liberdade (PVV), da Holanda, o Fidesz (União Cívica Húngara) e o Partido Jobbik da Hungria, o partido católico Lei e Justiça (PiS) da Polónia é uma manobra política de domínio levada a cabo pelas oligarquias ocidentais no poder idêntica à que noutros tempos reis, papas e banqueiros utilizaram diabolizando os hereges, os cátaros, as mulheres feiticeiras, os ciganos, os judeus, os socialistas, os comunistas, e atiçando contra eles as matilhas dos seus sicários.

A imigração e a defesa ordem foram escolhidas como temas centrais a serem explorados politicamente porque os “arautos do apocalipse”, como Steve Bannon, o primeiro cardeal de Trump, agora em parceria com Elon Musk, os centros de análise dos grandes bancos e das agências de rating, os clubes de manipulação como o Bilderberg, fundações, agências de informação dos estados, igrejas, concluíram que o “mundo” vai tornar-se um sistema catastrófico devido à ocorrência de três processos simultâneos, a sobrepopulação, as calamidades naturais causadas pelas alterações climáticas, com a diminuição de terras aráveis e a expulsão de povos nativos de territórios ricos em matérias primas essenciais às novas tecnologias.

Estes fatores provocarão conflitos cuja primeira consequência será, como já acontece, o deslocamento de grandes massas humanas em busca de zonas de sobrevivência no “primeiro mundo”, os Estados Unidos e a Europa. A resposta das oligarquias do “primeiro mundo” à grande onda de ressaca que tem origem no modelo de colonização europeia implantado nas Américas, Norte e Sul a partir do século XVII, com o colonialismo em África desde o final do século XIX e com a partilha do Médio Oriente após a Grande Guerra está a ser, como é visível, a criação de barreiras físicas e legislativas à imigração e à instauração no interior do seu espaço de regimes que tenderão para o totalitarismo, cuja primeira fase é o estado policial, com o argumento de que apenas um Estado forte (dominado por uma oligarquia), garante a ordem e o modelo social implantado.

O processo de disseminação da ideologia dos neocons que a partir de Ronald Reagan foi progressivamente tomando conta do establishment americano tem semelhanças com a ascensão do nazismo e do fascismo no século XX, incluindo a atribuição da origem do mal ao outro, os judeus num caso e agora os imigrantes. A invocação dos direitos de uma raça superior traduzida no lema MAGA (Make America Great Again) da eleição de Trump é a réplica do Dutch UbberAlles (a Alemanha acima de tudo) dos nazis. A invocação feita pelos hierarcas europeus, dirigentes de estados e de organizações, de que as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente em que eles envolveram os seus povos se travam em defesa dos valores europeus, ou ocidentais contra os bárbaros que os querem destruir é apenas uma versão da mesma ideologia adaptada ao mercado europeu.

A luta contra a imigração, a agressividade contra comunidades estrangeiras, os apelos à ordem, a limpeza da corrupção constituem apenas o primeiro passo de uma guerra preventiva de grupos poderosos e dos seus domínios e pretende garantir um Estado ao seu serviço. O seu Estado.

O discurso da necessidade de mais despesa militar, de luta pela ordem e segurança e contra a imigração espalhado pelos movimentos neonazis esconde a realidade que é a de nos encontrarmos numa luta entre totalitarismo e democracia.

A recente imagem da Rua do Benformoso, com uma formação de polícias de um lado e um grupo de imigrantes encostados à parede do outro é a de uma fronteira. Ou estamos de um lado, ou do outro. Não há ninguém no meio.

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Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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