Carlos Matos Gomes
3 min readFeb 1, 2022

Lições recebidas

A propósito do resultado das eleições de Domingo há quem tenha afirmado que os eleitores e os portugueses em geral ou se enganaram (caso, entre outros, da deputada Isabel Meirelles, do PSD), ou não perceberam nada das causas que conduziram a estas eleições que foram atrás de um logro que qualquer comité central tinha visto à distância.

Em suma, o povo, entendido na sua pluralidade, segundo esses decisores, sofre de estupidez coletiva. Não sou um crente na frase de “o cliente tem sempre razão”, existem vários exemplos históricos de estupidez coletiva, mas também não concordo que quando as reclamações não me agradam a culpa é de quem reclama e escolhe outro produto.

Eu tirei alguns ensinamentos da resposta coletiva que foi dada no domingo.

1. Em tempo de crise os portugueses votaram de forma conservadora. Preferiram o conhecido ao desconhecido;

2. Pretendem um Estado forte e que lhes dê segurança na saúde, na previdência social, na educação, na proteção civil;

3. Apoiam a atual divisão entre um poder central e as autarquias. Quer o Governo quer as autarquias responderam de modo satisfatório às várias componentes da crise.

4. De um modo geral confiam nas instituições e nos protagonistas políticos, caso do chefe do governo, o principal rosto, de alguns responsáveis por setores de primeira linha: caso da Saúde, das Finanças, da Economia, da Administração Interna (a borbulhagem criada à volta do caso Cabrita não teve reflexos eleitorais, por exemplo).

5. Julgo que também apreciam uma relação de bom entendimento entre o Presidente da República e o Governo.

6. São marginais e para marginais as questões “fraturantes” de ordem dos direitos individuais, caso das minorias étnicas, de género, do aborto, da eutanásia.

Dito isto, quem quiser governar tem de contar com este povo. Sou de opinião que é à volta do pragmatismo que a sociedade portuguesa é governável. E entendo que a partir de um consenso básico sobre o que os portugueses desejam deveriam existir alternativas, uma que satisfaça mais os desejos de justiça social, de reforço do Estado no controlo de setores estratégicos e outra apoiante do direito ao lucro sem destruir a solidariedade. Isto é, os modelos de sociedade daa Europa do pós-guerra, do Estado de Bem-estar que o salazarismo fez passar ao lado de Portugal: a social democracia e a democracia cristã.

As teses e as práticas neoliberais, da lei da selva do lucro introduziram-se no modelo social da Europa e são um cancro. Há que o extirpar. A Iniciativa Liberal é esse cancro. Julgo que o PSD, que foi sempre um partido de democracia cristã e Sá Carneiro foi sempre um conservador, deveria assumir a matriz democrata cristã, que o CDS nunca conseguiu corporizar. O resto, à esquerda e à direita, são patrulhas, como dizia Baptista Bastos.

O neoliberalismo enquanto ideologia de privilégio e de egoísmo político e social não pode ser combatido com as suas receitas. O PSD deveria meditar nessa incongruência.

Mais grave, o neoliberalismo, ao acentuar desigualdades e injustiças, é sempre um incentivador de violência que empobrecerá a sociedade e limitará a liberdade. O neoliberalismo é um paradoxo e uma ilusão que as sociedades pagam muito caro e não é alternativa viável numa sociedade como a portuguesa que nunca atingiu níveis de bem-estar idênticos aos países da Europa além Pirenéus.

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Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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