Exércitos da União Europeia? Para quê?

Carlos Matos Gomes
3 min readJun 11, 2022

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A guerra na Ucrânia demonstrou que a União Europeia não tem interesses estratégicos próprios a nível global, que é um anexo dos EUA! Sendo assim para que servem os seus exércitos? Como forças auxiliares? Como forças de segurança interna? Guardas fronteiriços na nova cortina de ferro, a Leste e nas velhas, no Médio Oriente e Magreb? E qual a posição de Portugal?

Antes de alguém, ou de alguma entidade se lançar numa empresa é (devia ser) obrigatório definir os seus objetivos, o que pretende e depois reunir os meios para os atingir. A União Europeia não tem objetivos definidos enquanto ator político mundial, para quê os meios, ou mais meios?

Se a União Europeia tinha, ou teve pretensões a ser uma grande potência, com uma estratégia própria, global, deveria ter-se dotado de uma capacidade militar credível (já sabemos que não quer ser e que a NATO — os EUA — não deixa). Para ser uma grande potência teria de dispor de um arsenal nuclear credível, com lançadores terrestres, aéreos, navais e espaciais. Onde os iria colocar? Ao lado dos americanos? Seguiria o caminho de De Gaulle construir uma force de frappe nuclear e apontada a todas as direções? Está fora de questão nos dias de hoje, de submissão.

Se a União Europeia abdicou, ou nunca esteve nos seus horizontes ser uma superpotência global (e não pode ser) e pretende ser apenas o que os EUA talvez admitisse que fosse: uma média potência com limitada autonomia, bastaria constituir forças convencionais de projeção credíveis para defender o seu território e marcar posição em regiões do planeta onde tenha interesses, caso de zonas produtoras de matérias primas essenciais, energia, metais e produtos alimentares, e que não conflituassem com as das superpotências. A estratégia destas assenta no controlo dos estreitos que dominam as grandes rotas marítimas (a estratégia de Afonso de Albuquerque). A liberdade de ação nos marres é assegurada por dois grandes tipos de vasos de guerra, porta-aviões e submarinos nucleares. A União Europeia dispõe de 4 porta-aviões, sendo dois deles de pequeno porte, os EUA têm 11, com mais 2 do Reino Unido. Quanto a submarinos nucleares, os Estados Unidos têm 72, com mais 11 do reino Unido, a União Europeia tem 10. A Rússia dispõe de 45. Em termos político-militares quanto a tentativas de autonomia da UE registe-se o fracasso da UEO.

Percebe-se através desta ausência da força que permite o domínio das grandes rotas de comércio que a UE não conta, não existe nas zonas quentes de conflito planetário, atualmente o Medio Oriente e o Indo-pacífico. Para os EUA, a NATO é uma bandeira atrás do qual se alinham as suas forças (incluindo as da Austrália e da Nova Zelândia quando é conveniente!), para Rússia, a União Europeia e a NATO é um parapeito a partir do qual os europeus lhes atiram pedras por conta dos americanos e para a China a UE é um bom cliente.

Um Exército para atirar pedras à Rússia! Qualquer aumento de despesas militares dos estados da UE no atual quadro de subordinação aos EUA traduz-se em pagar para servir os interesses de um pai rufia que manda os filhos apedrejar a casa dos vizinhos. Traduz-se em comprar armamento para o colocar ao serviço dos EUA. Uma materialização do relato de Solnado na sua “ida à guerra”, em que o recruta descobre que tem de ser ele a comprar as balas. Os líderes europeus colocaram-nos nessa posição de pobres e tristes figuras de tragicomédia.

Quanto a Portugal, como pequeno país, deve estar integrado num sistema militar coletivo que o ponha a salvo de um ataque de uma pequena potência vizinha — em particular para salvaguardar a soberania sobre a sua zona marítima — o que certamente não agradará às pequenas potências do norte de África (Marrocos e Mauritânia), onde pescamos, e, menos ainda, no futuro, às grandes potências com tecnologia e meios para a exploração dos fundos marítimos, quando eles se revelarem necessários. Portugal deve ter uma força de dissuasão interna e de participação em ações internacionais perante ameaças reais e não fantasiosas e à medida das conveniências dos vendedores de armamento e de segurança! Assumindo algum radicalismo, há dois ministros dispensáveis no governo português, o dos Negócios Estrangeiros e o da Defesa. Uma secretaria na presidência do Conselho de Ministro dava conta dos recados que orientam as ações externas portuguesas.

Como nota final, não deixa de ser irónico que um dos Estados mais inseguros do mundo, os EUA, seja o paladino dos negócios de guerra em nome da segurança!

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Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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