Era da Manipulação
Na era da manipulação — a que vivemos — vence quem possuir meios de comunicação.
Luís XIV, rei de França, mandou cunhar na boca dos seus canhões a frase: Ultima Ratio Regum — a última razão dos reis. Também pode ser traduzida por: a última palavra dos soberanos. Só que a última palavra dos soberanos não é hoje um canhão, mas uma televisão, melhor ainda um exército de órgãos de comunicação, televisões, rádios, jornais, revistas.
Ganham as guerras do poder os que dispuserem de melhores armas de manipulação. A invasão do Iraque é um bom exemplo de utilização de arma de manipulação massiva. A complacência com os crimes contra a humanidade cometidos por Israel é outro. As eleições de Trump, de Bolsonaro, os desastres ambientais na China, outros ainda. Possuir órgãos de comunicação é hoje em dia possuir os canhões que são a última palavra dos soberanos. A força que sujeita, explora e domina.
A manipulação da opinião não cria uma realidade entre outras, cria a realidade! O populismo é o resultado da vitória da manipulação da opinião. O neoliberalismo e o pensamento único do não há alternativa são produtos da manipulação de opinião.
Durante séculos os manipuladores de opinião — pelo menos os ocidentais — fizeram o povo acreditar que era o Sol que girava à volta da Terra. Possuir o púlpito, o direito a impor a verdade é pedra fundamental do poder.
Por ser decisivo e vital para a vida da comunidade, o direito à palavra, ao contraditório, é essencial que exista democracia no direito à palavra, isto é, que o direito à palavra, à formação e à informação não caia na mão de grupos de interesses, de gangues, de exércitos privados e privativos.
A democracia na informação está em risco em Portugal.
Está em risco com a concentração num grupo dos grandes meios de comunicação, com a concentração no grupo Cofina/Correio da Manhã de uma estação em sinal aberto TVI, e de várias estações em cabo e suportes eletrónicos, TVI24, CMTV, mais jornais e revistas.
Já nem é a qualidade da programação e das linhas editoriais, o vale tudo, que está em causa — os patrões do negócio podem vender o que entenderem, incluindo prostituição — mas o direito aos cidadãos terem alternativas às armas de destruição massiva do CM. É o direito à democracia, à não manipulação.
Dirão os apóstolos do novo império em formação: só vê e só lê quem quer. É uma falácia para anjinhos. Num país de baixíssima literacia — isto é, capacidade para ler e compreender — de baixos recursos financeiros, logo com dificuldade de acesso a outras fontes, colocados perante campanhas massivas de manipulação e de intimidação, constitui um “percurso do combatente” resistir à manipulação e à imbecilização.
Em estados muito populosos e muito descentralizados — caso dos Estados Unidos e do Brasil, por exemplo — a existência de estações populistas de manipulação de opinião como a FOX ou a Record da IURD podem ser amortecidas através da diversidade e da regionalização e mesmo assim geraram Trump e Bolsonaro. Em Portugal, um pequeno Estado, com 10 milhões de habitantes uma estação deste tipo terá um efeito devastador sobre a democracia, a identidade nacional, a preservação de valores éticos, morais e culturais. Gerará uma política de medo e chantagem. O oposto de uma sociedade livre e democrática.
É neste ponto, da defesa de democracia, que a concentração de televisões no grupo populista do CM impõe a atuação do Estado em nome da comunidade. E não, não é censura, é higiene. Se existe uma ASAE para defender os consumidores de produtos falsificados e adulterados, e ninguém acusa a ASAE de censura, isto é, de impedir quem quiser de comer carne podre ou leite azedo, de tomar banho em ácido disfarçado de creme, tem de existir um Estado que defenda os consumidores de informação.
A Entidade Reguladora da Comunicação, a ERC parece que não vê qualquer inconveniente nem perigo neste quase monopólio na manipulação de opinião. Haja alguém que se levante na Assembleia da República!