Economia de guerra? Quem lucra e quem perde?

Carlos Matos Gomes
3 min read5 days ago

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Economia de guerra. A partir do momento em que os políticos europeus e americanos deixaram de poder vender aos seus cidadãos a promessa de vitória sobre a Rússia na guerra da Ucrânia, o seu discurso passou a focar-se nas vantagens económicas da guerra. O governo português alinhou pelo discurso comum, um Âmen que também é comum.

A alteração do discurso da vitória, agora com o foco nas vantagens e oportunidades da guerra, deve-se à já indisfarçável crise da economia europeia. A dos Estados Unidos é outra história.

Em termos teóricos a economia de guerra é a adaptação de um sistema produtivo nacional ao esforço requerido por um conflito. A economia de guerra transforma completamente a organização de um Estado, estabelecendo o armamento e a manutenção das forças armadas em prioridades absolutas. A situação atual na Europa não é ainda de economia de guerra, mas do que alguns teóricos designam por «economia de reservas», que se traduz numa desaceleração económica acompanhada por uma forte inflação.

É para enfrentar a contestação social previsível das sociedades europeias que os líderes europeus referem a possibilidade de uma economia de guerra substituir os empregos e a produção de riqueza que existiam antes do envolvimento na Ucrânia. Esta substituição é uma falácia. A mais evidente é que, em termos muito simples, a produção de um carro de combate não gera a riqueza da produção de um camião, ou de um trator agrícola, um Leopard não cria a riqueza de um Mercedes. Antes pelo contrário, gera despesa e esta obriga a recorrer às reservas do Estado. Quem refere carros de combate, pode referir aeronaves, um caça Mirage não gera a riqueza de um Airbus, mas despesa, e o mesmo para navios e outros sistemas de armas.

No curto prazo, a transferência de uma economia de tempo de paz para uma economia de guerra nos países da retaguarda, mesmo na versão de economia de utilização de reservas materiais e financeiras, permite manter o nível de emprego durante um tempo limitado, até a inflação tornar indisfarçável a falência do milagre e gerar desemprego em grande escala. Em tempo de guerra, o emprego dos países da retaguarda é mantido à custa dos mortos dos países em conflito direto, mas essa é a menor das preocupações de quem sobe a um púlpito para se propor salvar os seus semelhantes!

A prazo, uma economia de guerra, ou de utilização de reservas, causa empobrecimento generalizado, devido à inflação, mas no caso da economia de pequenos estados e muito dependentes, uma economia de guerra traduz-se na produção de artigos de baixo valor acrescentado, pois os de alto valor acrescentado estão reservados aos grandes estados, mas que exigem apoios estatais das reservas financeiras sem qualquer contrapartida ou ganho de vantagem competitiva nas cadeias de produção de valor.

Uma economia de guerra causa o empobrecimento da sociedade em geral (diminuição de salários e de apoios sociais) e o enriquecimento dos grupos que lucram com a inflação, os setores especulativos, a banca, a grande distribuição e os monopólios naturais, caso dos produtores de bens essenciais, como o da energia.

A economia de guerra tem ainda um efeito político mais perverso, que é o da instalação de regimes autoritários e de estados policiais, em nome da imposição da ordem numa situação de contestação. E a instalação destes regimes é o maior lucro dos grupos dominantes, que passam a dispor de um Estado ao seu serviço, sem a intromissão do “povo”.

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Carlos Matos Gomes
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Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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