Criadores mornos e fofos — literatura de fralda e algodão em rama
O JL e 11 de Agosto, a propósito dos seus 40 anos, realizou um inquérito a 40 jovens promessas de criadores culturais. Escritores e escritoras, atores e atrizes, músicos, realizadores, aristas de multimédia e artes viduais, com idades entre os 22 e os 32 anos. Interessei-me particularmente pela resposta à pergunta: “Por que escolheu a sua área artística e profissional?” E, por inclinação pessoal, em particular pelas respostas dos criadores literários apresentados como escritores/poetas/romancistas. Quatro, entre os 22 e os 30 anos. Eis algumas razões para estes jovens, três mulheres e um homem, escreverem: “Gosto de procurar a graça das coisas”; “Não me interessa fazer a dicotomia bom/mau, interessa-me que nunca ninguém tenha razão” — Isto é, ausência de moral, digo eu. “ Escrever sempre foi a procura de um espaço identitário”, e: “Escrever é um modo de estar comigo e com o mundo”. Um ato de reflexão e meditação individual, sobre a sua identidade, portanto. Responde uma outra romancista, que escreve: “Para me conhecer e aos outros, compreender coisas visíveis e invisíveis. Escrevo para não me esquecer.” Escreve para ela, como confessa e sem grande convicção: “Também pode ser um exercício inútil numa sociedade muito utilitária”. A quarta das escritoras responde: “A escrita atende a impulsos de ordens diversas. Pode ser o desejo de aproximação, como de afastamento, ainda que esse afastamento configure um modo de estar em contacto, em perspetiva,”
As respostas completas estão no JL. Mais do que um retrato de promissores escritores fiquei com a certeza do vazio em que vive esta geração. Nas suas respostas não se encontra uma referência à sociedade em que vivem, aos conflitos que os rodeiam, não existe uma réstia de indignação, nem um quantum mínimo que seja de moral, de solidariedade, nem a mais leve referência a generosidade. Tudo se resume neles à mais rasteira mediania, às suas vidinhas, ao individualismo mais mesquinho. Num um grito, mesmo que baixo, nem um cerrar de dentes. Nem uma ousadia. Nem sequer a noção de que quem escreve se expõe, provoca. Eles são escritores de algodão em rama. Jovens sensatos, de boas maneiras, como os voluntários dos eventos culturais e religiosos. Pessoas agradáveis como os escuteiros e as escuteiras. Não contem é com eles para escrever qualquer coisa de parecido com o manifesto J’ Accuse…! de Émile Zola no jornal L’ Aurore. Eles são mansinhos.
Parabéns ao JL que nos revelou estas boas almas, jovens bem comportados, preocupados consigo e em perceber os outros a viver num universo como o de Rousseau, em que o ser humano é por natureza bom, ou o do padre Américo, fundador da Casa do Gaiato cujo lema oficial era: “Não há rapazes (nem raparigas) más!”