Carlos Matos Gomes
3 min readMay 16, 2021

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Biden e a sorte de varas[1] de Netanyahu

O genocídio atualmente em curso do Estado israelita sobre os palestinianos do gueto de Gaza tem várias leituras e vários antecedentes. Sempre com o mesmo objetivo: provocar um novo imperador logo após ele ser entronizado em Washington e apreciar-lhe a têmpera.

Netanyahu e os seus sequazes aproveitaram o Nakba Day (15 de Maio de 1949, o dia da ocupação da Palestina pelos emigrantes judeus, no final do mandato britânico) para fazerem o teste das varas a Biden. Tal como nas touradas espanholas, o picador espicaça o touro, Netanyahu mete o ferro (puya ou garrocha) no cachaço de Biden para apreciar se é bravo ou manso. Saiu manso. Biden advertiu Israel que devia ser contido nos ataques aos palestinianos em Gaza e em Jerusalém. Uma advertência é menos do que uma admoestação, uma repreensão, uma punição. Era necessário uma ordem e a Biden saiu um assobio!

Para se fazer respeitar, Joe Biden não pode intervir na ordem do mundo com assobios e advertências. Ele é o chefe de um dos impérios mundiais, é o chefe do império que tem Israel como província subordinada, como a Palestina o era há dois mil anos por Roma. Não se imagina o imperador Cesar Augusto a advertir Herodes, o seu subordinado judeu nomeado para governar a Palestina, nem o imperador Tibério, que exercia o poder em Roma quando da data provável da morte de Cristo. Os imperadores não advertem, impõem.

Hobbes, um reputado filósofo do poder, autor de Leviatã, escreveu que “o soberano tem o dever de ser constantemente afortunado. Caso se enfraqueça a ponto de não conseguir mais assegurar aos súditos a ordem que é seu único objetivo, acham-se os súbditos dispensados de toda obrigação.” Netanyahu concluiu depois do” advertimento” que pode continuar a fazer o que quiser!

Ao ficar-se pela cúmplice advertência, Joe Biden deixou de ser afortunado perante os seus subordinados e os seus adversários. Continuando com Hobbes: “O que dissolve o Estado, depois de o haver enfraquecido e minado, é a ausência de autoridade absoluta e indivisível (…).O que dissolve o Estado é a discussão do poder do soberano poder.”

Estes princípios de centralização do poder mantêm-se atuais, apesar dos regimes democráticos, e das ditas relações multilaterais, e eles são mais evidentes nas relações internacionais. A realidade demonstra que nenhum Estado age de forma autónoma dentro da área de comando da sua superpotência.

Portugal tem dois bons exemplos das limitações de soberania, uma em 1973, durante a guerra israelo-árabe, quando os Estados Unidos pediram autorização para os seus aviões em trânsito para suportarem Israel escalarem os Açores. Marcelo Caetano tentou ganhar uma vantagem para a sua política colonial, procurando a chantagem de modo a negociar a autorização a troco de votos na ONU e fornecimento de material de guerra. Ilusões desfeitas quando o embaixador americano lhe telefonou avisar que era melhor dar autorização rapidamente porque os aviões já estavam no ar a caminho das Lages. A outra, quando em 1975, na Conferência de Helsínquia, ficou acordado entre Gerald Ford dos Estados Unidos e Brejnev da URSS o tipo de governo e de enquadramento estratégico de Portugal na órbita americana. O 25 de Novembro de 1975 foi a tradução em linguagem clara para os indígenas (nós) desse acordo.

A advertência de Biden revelou um imperador titubeante, fraco e que deixará os partidários da solução final no poder em Israel.

Entretanto a Rússia estabeleceu linhas vermelhas: não haverá ocupação de Gaza, os israelitas não atacarão a Síria sem resposta, o Irão poderá desenvolver capacidades nucleares, a Rússia atrairá a Turquia ainda mais para a sua esfera, criará a sua zona tampão no território da Ucrânia e nem se dará ao incómodo de referir a Crimeia.

A União Europeia faz o papel do costume: de galinha estúpida no meio da estrada.

[1] Os mais sensíveis desculpem a referência tauromática.

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