Carlos Matos Gomes
2 min readMar 6, 2022

As invasões e a História — lições não recordadas

A história não é neutra, se fosse uma ferramenta seria um canivete suíço.

A invasão russa da Ucrânia tem motivado várias lições de história daquela região da Europa que nos contam o seu passado desde a antiguidade, mas os historiadores raramente falaram das duas invasões da Europa ocidental à Rússia, a de Napoleão e a de Hitler, eu nunca os ouvi.

Essa referência não é, contudo, a meu ver, já útil como instrumento de análise do presente. A invasão está a decorrer e assunto arrumado. O conflito irá terminar. É histórico que os conflitos terminam, mesmo a guerra dos romanos contra os parsas terminou ao fim de 300 anos, com a derrota de ambas as partes, diga-se, e a vitória de um terceiro império.

Mas há dois exemplos do passado mais recente que poderiam ter algum interesse para lidar com a situação presente e a de curto prazo, que evitasse, ou amenizasse o sofrimento de quem sempre sofre, os povos, aqueles que são ultrapassados pela história e pelos interesses que a fazem mover.

Um desses exemplos diz-nos respeito: As invasões francesas, napoleónicas, da Península Ibérica. A Espanha aceitou um rei francês, irmão de Napoleão e ser uma base francesa. Portugal também aceitou os franceses, mas os ingleses (com Wellington) vieram lutar contra eles em Portugal e parte dos portugueses apoiou-os. Quando os ingleses (tropas anglo-lusas) venceram nas linhas de Torres expulsaram os franceses (Massena) e os espanhóis aproveitaram para fazer o mesmo.

Isto é, os dois países ibéricos reconheceram não ter força para se opor ao mais forte exército europeu e aguardaram até serem criadas condições para reverter a situação.

A Europa de hoje seguiu os interesses do seu império suserano, os EUA e incentivou os dirigentes ucranianos a sacrificarem-se sem qualquer hipótese de sucesso e à custa de uma destruição que servirá apenas para justificar medidas contra a Rússia. Os ucranianos foram levados à posição do cordeiro sacrificial, um papel que nem Portugal, nem a Espanha aceitaram representar.

O outro exemplo da história é o da invasão (ocupação) da França por Hitler. Os Estados Unidos ainda não estavam interessados em intervir na Europa, a França não dispunha de meios para se opor ao maior exército europeu e Pétain preferiu aceitar a ocupação à destruição da França. De Gaulle optou pelo governo no exílio e pela resistência, mas sob a forma de guerrilha. Nem De Gaulle nem Pétain, nem a França como um todo, optaram pela defesa a todo o custo. Uma insanidade que os «Ocidentais», como Boris Johnson agora nos designa após o Brexit, estão a levar os ucranianos a sofrer..

Os Estados Unidos estão interessados numa Ucrânia mártir, os europeus parece que também. Ambos deitam achas para a fogueira. Os historiadores têm mantido sobre as experiências anteriores, de controlo de danos e contenção até serem criadas condições favoráveis a uma reversão, ou a uma nova situação, um silêncio pouco abonatório do conhecimento da história e da sua utilidade.

Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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