As festas Dionisíacas do COP 27 ao G20 e ao Catar!

Carlos Matos Gomes
4 min readNov 14, 2022

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Os gregos designaram as suas grandes celebrações como faloforias! — Eram uns visionários.

A história da Humanidade é também feita de grandes happenings (uma palavra que designa um grande acontecimento, uma festa, uma gala, uma feira, uma orgia). As festas dionisíacas serão, porventura, as mais conhecidas antepassadas das grandes cimeiras. Em Atenas celebravam-se cinco festas em honra a Dionísio: as Leneias, as Antestérias, as Dionísias Urbanas, as Oscofórias e as Dionísias Rurais. Festas de que ainda hoje somos herdeiros. Eram uma celebração e simultaneamente uma forma de exercer a política aproveitando a religião. Ligavam os homens comuns aos deuses, representados pelos governantes, através de rituais com a curiosa designação de “faloforias”.

As grandes cimeiras dos nossos dias são as herdeiras das “faloforias” e cada um entenda como entender a presença do falo no acontecimento. As cimeiras que se iniciam com a chegada dos aviões presidenciais são celebrações. São encenações de poder como as da vinda dos imperadores, de coroa de louros na cabeça, em carros puxados por quadrigas.

As cimeiras do COP27 (clima), a do G7 (finanças), esta do G20 de 2022, na Indonésia, sob o moto de «Recuperar mais fortes — Recuperar juntos» são réplicas de “faloforias”, durante as quais cada um dos atores exibe os seus números diante dos dois dionísios reais, nesta de 2022, Biden e Xi Jiping.

O G20 foi fundado em 1999 como um grupo de ministros das finanças. Durante a crise financeira de 2008/2009, a crise do “sistema da dona branca”, (versão lusitana) ou do “último idiota”, na designação de Bill Gates, montado pela banca dos Estados Unidos (a crise do dito subprime) transformou-se num encontro de alto nível, cimeira, de um grupo de chefes de Estado para mascarar com um carnaval (veja-se a cerimónia de danças sensuais à chegada dos bacanos a Bali) as crises económicas que eles provocavam.

Na G-20 deste ano os participantes enfrentaram as mesmas dificuldades de anos anteriores na busca de consensos sobre questões prementes, como a recuperação pós-pandemia, a crise energética e alimentar, a guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia.

No primeiro mundo o problema da pandemia foi ultrapassado criando moeda nas rotativas da reserva federal dos EUA (FED) e nas do BCE. Notas que foram por sua vez despejadas nas contas das multinacionais (as farmacêuticas em primeiro lugar e as indústrias de saúde, em geral). Este regabofe de rotativas gerou inflação que vai ser paga pelas classes médias e lucros que vão engordar as grandes empresas.

No terceiro mundo a solução típica foi a de Bolsonaro: é uma gripezinha, pobre vai para a vala comum.

Resta a guerra na Ucrânia, um assunto a ser resolvido entre os Estados Unidos e a Rússia. Putin não se sujeitou a ir a Bali fazer de punching ball, para desilusão dos media ocidentais que queriam luta de boxe no ringue.

Para animar os noticiários nada mais caiu na mesa do G20 que a conversa de três horas entre Biden e Xi Jiping , em que rosnaram e acordaram em não se morderem, para já. A distância a que colocaram as bancadas (trincheiras) das delegações representa o tamanho do fosso entre os contendores.

“O verdadeiro desafio deste G20 não é tanto um resultado particular, ou um acordo sobre qualquer questão, a não ser que o grupo pode continuar funcionando”, afirmou Josh Lipsky, diretor do Centro de Geoeconomia do Conselho do Atlântico. Esse é o desafio para o G20: provar que ainda é adequado ao propósito dessas reuniões.” (não se sabe qual, mas o encontrarem-se já é um fim em sim mesmo)

Do lado oriental as expetativas deste grande espetáculo não são mais entusiásticas: “Quando a terra treme sob os nossos pés e conseguimos ficar no mesmo lugar, isso é uma grande conquista”, disse à DW (a rádio alemã) Manjeet Kripalani, diretor executivo do think tank Gateway House, com sede em Mumbai, na Índia.

A seguir aos grandes eventos mundiais que foram o COP27, no Egito, agora o G20, na Indonésia, ocorrerá daqui a um mês o Campeonato Mundial de Futebol, no Catar, a seguir a coroação de Carlos III em Inglaterra, talvez o anúncio da candidatura de Trump… a gala dos Óscares. Enfim, os povos de todo o mundo têm “faloforias” com que se entreter distribuídas por todo o planeta para os próximos tempos…

Uma imagem clássica do deus Dionísio, de barbas, 4 séculos aC, muito atual.

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Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes

Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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