A Ucrânia — a NATO — Siga a dança
Num post no FB, o embaixador Luís Castro Mendes escreve a propósito de uma prestação do historiador Fernando Rosas na CNN que este está a cometer o mesmo erro que foi o de Vasco Pulido Valente, noutro tempo: reduzir a análise da realidade ao precedente histórico e minimizar as diferenças do novo para magnificar as constantes do passado. O meu amigo David Martelo, historiador com vasta obra na área da polemologia faz uma excelente síntese do passado de conflito na Europa Central a que deu o título: CORTINADOS GEOPOLÍTICOS, sobre o conflito “que opõe atualmente a Rússia aos aliados da OTAN, localizada sobre a fronteira da Ucrânia”, mas essa história não explica o presente.
A História serve para tudo. O que quer dizer que serve de pouco. Há exemplos para todas as explicações. O passado pode ajudar a perceber o presente, mas sem entendemos o presente o passado serve de pouco. O Japão não percebeu que o presente tinha mudado com a arma atómica e teve uma terrível surpresa. Marcelo Caetano não percebeu que o Exército de 1974, após 14 anos de guerra colonial, não era o Exército que tinha partido para Angola em 1961 e teve a surpresa do 25 de Abril. A Revolução Francesa e a Russa são exemplos de surpresas por incapacidade de perceber que o presente não é uma evolução em linha reta do passado. São inúmeros os exemplos.
Mas a História tem constantes. Essas é que devem ser exploradas e estudadas para evitar surpresas. A constante da História é a luta pelo poder. É a luta por interesses à margem de qualquer referência moral. Não há luta de Bem contra o Mal.
A dita crise da Ucrânia é uma luta por interesses, mais uma. Os interesses da Rússia são claros e explícitos: Não quer ter inimigos acampados à porta! Os interesses dos Estados Unidos surgem camuflados com a mantra do costume da defesa da liberdade, uma canção esfarrapadíssima. Mas é possível lê-los: O interesse de Joe Biden surgir a meio do mandato como um presidente em guerra, um capitão América. O interesse dos Estados Unidos em obterem lucros diretos e indiretos com o aumento do preço do petróleo e do gás, dificultando a aquisição de gás russo pela Alemanha, principalmente, e proporcionando lucros às petrolíferas e aos aliados do Golfo, Qatar e Arábia Saudita. Congregar os países europeus à sua volta, para evitar tentações de autonomia. A lista é longa.
É destes interesses que se trata, a demonstração do poder de um império e o aviso a tentações de autonomia dos europeus. A NATO, referida por David Martelo, é uma confraria que tem um grão-mestre que paga, determina e pune rebeldes. A NATO são os Estados Unidos e uns apêndices.
Os países europeus representam na NATO o que as tropas de caçadores indígenas representavam para os exércitos coloniais, os landins de Moçambique, os askari do Tanganica, os gurkas da Índia: transmitem uma mensagem de unidade e igualdade, que é falsa, porque os comandantes e as armas são sempre do colonizador, do império, e servem os seus objetivos.
A NATO é, pois, uma entidade sofismática em que todos são iguais, mas um deles é mais igual do que todos os outros.
Na fronteira da Ucrânia jogam-se interesses. Os ucranianos são apenas os peões das nicas de mais um conflito. Quando os interesses estiveram equilibrados, regulados, os ucranianos passam à história, como já passaram os afegãos, os iraquianos, os sírios, os líbios, os venezuelanos, os equatorianos…
Ainda quanto à NATO, o turco Erdogan joga um papel duplo. Tem os seus interesses e está em condições de os negociar sem lhe acontecer o que aconteceu a Saddam Hussein, ou a Khadafi, ou até a Bin Laden. O francês Macron, também corre na sua pista. Quando se fala da NATO fala-se também de uma equipa com várias camisolas que se expressa através da voz de ventríloquo por um secretário-geral que tem autoridade sobre o motorista.
Quanto a Portugal, a NATO portuguesa tem sede em Washington. Estamos como os cães de água do Açores de Obama, ou como o sacristão das missas cujo papel é dizer ámen e servir a água e o vinho numa patina. Sendo assim e, como dizia Salazar, não podendo ser de outro modo está tudo bem. Vivemos numa sujeição inevitável que dispensa justificações do género que os ministros dos negócios estrangeiros costumam dar: defendemos princípios. Não, não defendemos, obedecemos e pronto!