Carlos Matos Gomes
8 min readOct 18, 2022

A Starlink, a Space X — e o filantropo Elon Musk

Isto é a guerra das estrelas, mas não é ficção!

E se a nova fase da guerra dos Estados Unidos com a Rússia e a China se travar no espaço? E se o oligarca que arrecada os lucros se chamar Musk?

A ideia de que na Ucrânia se trava uma guerra entre os invadidos e pacíficos ucranianos liderados por um São Jorge de T-Shirt verde e os bárbaros russos com um Ivan meia leca é simpática e demonstra bons sentimentos, mas não corresponde à realidade. A realidade é a luta pelo poder e pela hegemonia mundial, também no espaço. Com negócios apresentados como cruzadas pelo Bem na base de todas as ações.

A realidade é que, na fundamental área das comunicações e do domínio do espaço, a ligação do complexo militar industrial dos Estados Unidos aos objetivos estratégicos americanos é um facto indesmentível, de que a intervenção do oligarca Elon Musk (SpaceX, Starlink, Tesla) é um exemplo. As agências governamentais dos Estados Unidos, os Departamentos (ministérios) do governo surgem aliadas ao oligarca e aos seus negócios de guerra no espaço, estes muito bem embrulhados em campanhas de publicidade, com laivos de filme de ficção!

Na guerra de desinformação que se trava sobre a guerra na Ucrânia surgiu há pouco a notícia de que Elon Musk ia deixar de fornecer o serviço de satélites de observação e comunicação ao governo da Ucrânia se não fosse pago (isto é, se os ucranianos não lhe pagarem pelo serviço que ele desenvolveu com subsídios do governo dos EUA). A habitual jogada de um “empreendedor liberal” de colocar os Estados e os dinheiros públicos a financiar-lhe os negócios e depois exigir que o mesmo Estado, ou outro, tanto faz, lhe pague o serviço ao preço que ele fixar!

O serviço de transmissão de dados por satélite é essencial para a condução das modernas e decisivas armas inteligentes, para obter informações e estabelecer comunicações. Sem o sistema Starlink de Elon Musk as tropas da Ucrânia estariam cegas no terreno.

Quem é Elon Muskk, o homem que dispõe de uma das mais importantes chaves da guerra na mão? Elon Musk é, se fosse russo, um oligarca. Como é americano (naturalizado — nasceu na África do Sul) é apresentado como milionário e filantropo! Filantropo, dos dicionários: “Pessoa que se caracteriza pelo seu amor às pessoas em geral e que se dedica a trabalhar por elas e a procurar o seu progresso e bem-estar de maneira desinteressada”.

Elon Musk é, para os formadores da opinião pública ocidental, um filantropo! Vejamos a filantropia de Musk em nome da liberdade dos ucranianos.

O filantropo Elon Musk é o dono de uma empresa Starlink, rede de Internet via satélite operada pela SpaceX, também do dito filantropo (o tal que realiza voos espaciais turísticos onde viajou o também filantropo português Mário Ferreira, da Douro Azul, da TVI e CNN Portugal) fornecendo cobertura de acesso à Internet via satélite para mais de 40 países.

A SpaceX começou a lançar satélites Starlink em 2019 e dispõe neste momento de 3.000 pequenos satélites em órbita baixa que comunicam com estações terrestres.

As constelações de satélites em órbita baixa foram projetados em meados da década de 1980 como parte da Iniciativa de Defesa Estratégica (Guerra das estrelas), de Ronald Reagan, para intercetar mísseis balísticos da URSS. Várias empresas foram envolvidas, mas a maioria faliu com o rebentar da bolha das tecnológicas e do fim da URSS, que deixava de ser um inimigo prioritário.

O filantropo Musk entrou no coração da tecnologia militar em junho de 2004. A sua recém-formada empresa SpaceX adquiriu uma participação na Surrey Satellite Technology (SSTL) como parte de uma “visão estratégica compartilhada” com o Departamento de Defesa dos EUA.

No início de 2014, Elon Musk e Greg Wyler projetaram uma rede de 700 satélites (WorldVu). Em junho de 2014 a SpaceX apresentou um pedido à ITU (International Telecommunication Union) através do regulador de telecomunicações da Noruega sob o nome STEAM para licenciar a Starlink A SpaceX registou na FCC (Federal Communications Commission, dos EUA) o nome Starlink para a rede de banda larga via satélite e instalou a sua base em Redmond, Washington. Em novembro de 2016, a SpaceX apresentou um pedido à FCC para um sistema de satélite de órbita não geoestacionária (NGSO) e planos para colocar em órbita mais 7.500 satélites de banda V em órbitas não geossíncronas para fornecer serviços de comunicação num espectro eletromagnético que não tenha sido fortemente utilizado em serviços de comunicações comerciais. Chamado “constelação de órbita terrestre muito baixa (VLEO )”.

Em março de 2018, a FCC concedeu a aprovação da SpaceX para 4.425 satélites deste tipo, com algumas condições. A SpaceX precisaria obter uma aprovação separada da União Internacional de Telecomunicações (UIT).

Em novembro de 2018, a SpaceX recebeu aprovação regulatória dos EUA para implantar 7.518 satélites de banda larga, além dos 4.425 aprovados anteriormente. Esses satélites operariam numa terceira “concha orbital”, a 550 km de altitude. A FCC aprovou a solicitação em abril de 2019, dando aprovação para colocar cerca de 12.000 satélites em três “conchas orbitais”, entre os 300 km e os 1200 km de altitude. Em 15 de outubro de 2019, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC) apresentou registos à União Internacional de Telecomunicações (ITU) em nome da SpaceX para organizar um espectro para os satélites Starlink adicionais para complementar os 12.000 já aprovados pela FCC.

A FCC inicialmente concedeu à SpaceX US$ 885,5 milhões em subsídios federais, oficialmente para apoiar os clientes de banda larga rural por meio da rede de Internet por satélite Starlink.

Em maio de 2021, a SpaceX anunciou acordos com o Google Cloud Platform e com o Microsoft Azure para fornecer serviços de computação e rede em terra para a Starlink.

Em maio de 2022, investigadores militares chineses publicaram um artigo numa revista descrevendo uma estratégia para destruir a constelação Starlink, se ela ameaçasse a segurança nacional. Os investigadores chineses destacaram as preocupações com as capacidades militares do Starlink . Elon Musk anunciou mais tarde que “Starlink é para uso pacífico”. O chefe da agência espacial da Rússia, Dmitry Rogozin, já havia alertado Musk para se comportar de forma adulta e não brincar com assuntos sérios e ameaçadores da paz mundial”

A Starlink fornece conectividade de internet via satélite para áreas carentes em infraestruturas de comunicações do planeta, bem como serviços com preços competitivos em áreas mais urbanizadas.

Satélites militares

Em março de 2018, foi formada a Agência de Desenvolvimento Espacial (SDA) pelo subsecretário de Defesa, Michael D. Griffin, como parte de uma iniciativa da administração Trump para ressuscitar a Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI) de Reagan. A nova organização pretendia acelerar o desenvolvimento de novas capacidades espaciais militares com foco em plataformas de satélite de órbita terrestre de baixo custo adquiridas pela indústria.

Em outubro de 2020, a Agência de Desenvolvimento Espacial concedeu à SpaceX um contrato inicial de uso duplo de US$ 150 milhões para desenvolver uma versão militar dos transportadores de satélite Starlink . O primeiro lote de satélites militares foi originalmente programada para ser lançada em setembro de 2022 para fazer parte da rede da National Defense Space Architecture (NDSA) da Força Espacial Americana. A NDSA será composta por sete níveis com funções específicas: transporte de dados, gestão de campo de batalha e combate, rastreio de mísseis, condução de tiro, navegação/PNT, dissuasão e apoio terrestre. Historicamente, os conceitos de defesa antimísseis baseados no espaço eram caros, mas os sistemas de lançamento reutilizáveis ​​reduziram os custos. A NSDA aproveitou o desenvolvimento de satélites comerciais como o Starlink, para reduzir custos, incluindo terminais de laser ótico para uma rede de comando e controlo segura.

O relatório de 2019 do Departamento de Defesa sobre Defesa de Mísseis, observa que a deteção baseada no espaço permite “um rastreio mais eficaz, incluindo de HGVs e mísseis de cruzeiro hipersónicos ”. No entanto, a União Internacional de Cientistas advertiu que os desenvolvimentos podem aumentar as tensões com a Rússia e a China e classificou o projeto de “fundamentalmente desestabilizador”. O desenvolvimento do satélite militar da Starlink é supervisionado internamente na SpaceX por um general reformado de quatro estrelas

Comunicações militares

Em 2019, testes do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea dos Estados Unidos (AFRL) ensaiaram um link de dados através do Starlink com uma aeronave em voo. Em 2020, a Força Aérea dos Estados Unidos utilizou o Starlink em apoio ao seu sistema de gestão de campo de batalha avançado durante um exercício de tiro real. Ensaiaram a conexão do Starlink a plataformas aéreas e terrestres.

Uso na Ucrânia

Em 26 de fevereiro de 2022, (4 dias após a invasão russa) Elon Musk anunciou que os satélites Starlink haviam sido ativados sobre a Ucrânia após um pedido do governo ucraniano. Até 6 de abril de 2022 a SpaceX havia enviado mais de 5.000 terminais Starlink para a Ucrânia para permitir o acesso dos ucranianos à sua rede; A SpaceX eliminou as taxas mensais de serviço e a USAID (Agência para o Desenvolvimento) pagou o aluguer dos terminais do governo da Ucrânia.

De acordo com o The Washington Post, o equipamento Starlink enviado para a Ucrânia foi financiado pela SpaceX, incluindo as verbas da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), bem como dos governos da França e da Polónia.

Em meados de agosto, o serviço de internet na Ucrânia estava a ser assegurado por mais de 20.000 terminais Starlink, alguns de parceiros e voluntários estrangeiros, além de muitos fornecidos diretamente pela SpaceX.

Durante a guerra os ucranianos podem usar os terminais Starlink sem pagar a taxa de assinatura mensal normal. Até o final do ano de 2022 Musk estimou o custo da doação da Starlink em US$ 20 milhões por mês. De que quer agora ser ressarcido. Sê-lo-á, de qualquer maneira, indiretamente através do endividamento do que restar da Ucrânia e diretamente pelo governo dos EUA com novas concessões e facilidades. A filantropia de Musk é de alto valor e ele está habituado desde jovem a uma vida de luxo.

Em maio de 2022, um aplicativo ucraniano da Internet compatível com o Starlink foi o componente-chave de um novo sistema de coordenação de fogo de artilharia bem-sucedido.

Embora o uso militar e governamental do Starlink tenha sido o aspeto mais importante do fornecimento à Ucrânia de serviços de internet via satélites de baixa altitude no início de 2022, os civis também estão a usar a tecnologia “para manter contato com o mundo exterior e contar aos seus entes queridos que estão vivos.” (palavras piedosas do filantropo Musk)

Em 30 de setembro deste ano, as forças ucranianas relataram grandes interrupções no Starlink na linha de frente, resultando em perdas “catastróficas” de comunicação. Estão nas mãos de Musk e Musk está nas mãos da administração americana que concede licenças para semear satélites pelo espaço — e tornar o espaço um meio de exclusivo uso dos Estados Unidos é também um dos objetivos desta guerra!

Em conclusão:

Se estes serviços do Starlink de Elon Musk foram ativados 4 dias após a invasão russa, se os militares ucranianos estavam familiarizados com a utilização desta sofisticada tecnologia para a gestão do campo de batalha, a condução de tiro e a deteção e rastreio de misseis e aeronaves desde o início, isso significa uma óbvia preparação muito anterior à invasão russa.

A associação de empresas privadas às operações militares faz parte da prática estratégia dos EUA. A Google e a Microsoft lá estão a prestar os seus serviços de escuta e transmissão de dados, incluindo os dos cidadãos europeus. O negócio da guerra corre como usual. Tudo para o bem da Ucrânia, é evidente.

Se esta guerra vai evoluir para o espaço, com a destruição de satélites, em vez de se travar com armas nucleares táticas é o que saberemos.

O que é certo é que a guerra no cenário da Ucrânia se trava entre as superpotências — Estados Unidos, Rússia e China — em todo o espetro do campo de batalha, dos fundos submarinos (veja-se a sabotagem ao gasoduto, ao espaço da grandes altitudes(1200Km). A Ucrânia é um pretexto e a União Europeia um figurante nesta luta pelo poder global. .

Elementos colhidos na Internet, nomeadamente através da Wikipedia. No Google, até há pouco, bastava clicar: Elon Musk, SpaceX ou Starlink

Carlos Matos Gomes
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Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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