A sociopatia e a compreensão das reparações coloniais

Carlos Matos Gomes
5 min readApr 29, 2024

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Nem quero imaginar quanto vai pagar a Espanha ao Iraque, ou à Siria,de reparações pela Mesquita de Córdova e pelo Alhambra de Granada, obras dos árabes que vieram de Damasco e da Mesopotâmia com Abderramão, o príncipe fugitivo, e chegaram à Península Ibérica através do Norte de África!

A proposta de reparações coloniais feita pelo presidente da República causou perplexidade a quem ainda é dado a surpresas e interrogações a quem procura estabelecer relações de causa e efeito nas suas atitudes. De um modo geral serviu para alimentar os comentadores e entreter os programas das televisões após as eleições. O elenco do “circo comentarial” dividiu-se entre malabaristas do Bugalho e ilusionistas do Marcelo. O que terá levado o senhor prior Montenegro a elevar o menino de coro a cónego da sua confraria em Bruxelas e o mestre de fogos-de-artifício de Belém a sacudir a esfarrapada passadeira que se desenrolou de Lisboa ao Índico durante cinco séculos?

Deixando Montenegro e Bugalho na prateleira dos monos, resta a questão mais séria do que parece das reparações coloniais. Porque tirou Marcelo um assunto tão mal enterrado do jazigo onde repousava coberto de teias? O que pretende Marcelo? Matar o pai Baltazar, governador colonial e ministro das colónias que passaram a ser províncias ultramarinas e o padrinho Marcelo, esse sim, ministro das colónias e chefe do governo que se ofereceu em sacrifício por elas, sacrificando na guerra uma geração de portugueses? O que pretende Marcelo com a proposta? Entalar a direita colonialista, dizendo-lhe, já que foram colonialistas, agora paguem e devolvam o que sacaram em café, em diamantes, petróleo, em cervejas Cuca, Nocal, Laurentina e 2M, em tabaco, madeiras, amendoim e até em chá licungo, caju para aperitivos, minérios de ferro e terras raras? Provocar a esquerda, dizendo-lhes, ora tomem lá seus anticolonialistas de garganta, sou eu que vou fechar a loja do colonialismo, devolver aos fornecedores os produtos em dívida? Ou afrontar os dirigentes dos novos estados fruto do colonialismo, confrontá-los com a sua matriz neocolonial? Dizer-lhes: Angola, Moçambique, a Guiné apenas existem porque o colonialismo oficializado pelos europeus na Conferência de Berlim de 1884/5 lhes deu origem, como deu às Rodésias, hoje Zâmbia e Zimbaué, à Tanzânia, ao Senegal, à Costa do Marfim, à República Centro Africana, aos Camarões, à Nigéria. Nem depois da dita conferência de Berlim qualquer negro africano se considerava centroafricano, camaronês, liberiano, angolano, sudoesteafricano, moçambicano, guineense, ou guinéu, rodesiano, mas sim balanta, ovambo, mandinga, maliniano, bailundo, cuanhama, mandinga, macua, ronga, maconde, ajaua, papel. Enfim, afirmar aos presidentes de Angola, Moçambique, Guiné, Timor, São Tomé e Cabo Verde que eles, não sendo sobas, não detendo a autoridade ancestral, têm a mesma legitimidade dos governadores coloniais!

Oferecer compensações pelo colonialismo aos atuais dirigentes dos estados africanos resultantes do colonialismo é entalar-lhes o rabo.

A quem entregar o espólio? A quem mais se bateu pela independência dos novos estados? Ao PAIGC na Guiné-Bissau, ao MPLA em Angola e à FRELIMO em Moçambique? E os outros, a FLING, a FNLA, a UNITA, a COREMO, a UNDENAMO? E, na Guiné, quem recebe a cota dos caboverdeanos? E, em Angola, quem recebe a cota de Holden Roberto, mas também a dos irmãos Pinto de Andrade, ou de Chipenda, ou de Savimbi? E em Moçambique quem recebe a cota de Uria Simango, por exemplo, ou de Kavandame? E quem na Guiné tem direito a receber a arte Nalu? Ou as cabeças reduzidas dos Felupes? E, em Angola quem recebe as obras dos Tchokwé? E, em Moçambique, quem recebe as esculturas maconde? Porque deverão ser restituídas as obras de culturas ancestrais, com identidade própria criada ao longo dos tempos, muito antes do colonialismo e muito antes dos novos estados-nação de matriz europeia aos dirigentes aculturados que hoje, fruto das circunstâncias da História, dirigem governos regidos por princípios estrangeiros às culturas de origem? E como devolvemos a esses povos os deuses que lhes matámos, substituindo-os pelos nossos?

A proposta de Marcelo levanta problemas onde eles não existiam. Esse é um comportamento que a ciência explica muito melhor do que a opinião política baseada no empirismo, no comentarismo de que Marcelo Rebelo de Sousa foi um mestre. É um comportamento não apenas típico dos assassinos em série, mas de uma grande percentagem de “homens de estado”, ou de “grandes homens”, ou pretendentes a sê-lo. Tipos que a ciência classificou de “sociopatas”, que em inglês é apresentado com a sigla DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders).

Segundo um artigo científico de Renato M.E. Sabbatini, PhD, neurocientista, doutor pela Universidade de São Paulo e pós-doutoramento no Instituto de Psiquiatria Max Planck, em Munique, o DSM define um “distúrbio da personalidade antissocial (DPA)” e lista as suas principais características: Os sociopatas são caracterizados pelo desprezo pelas obrigações sociais e por falta de consideração pelos sentimentos dos outros. Exibem egocentrismo patológico, emoções superficiais, falta de auto perceção, pobre controlo da impulsividade, irresponsabilidade, pouca empatia e ausência de remorso. São geralmente cínicos, manipuladores, incapazes de manter uma relação e de amar. Mentem sem vergonha, roubam, abusam, trapaceiam, negligenciam as suas famílias e parentes. São “predadores intra espécies que usam o charme, a manipulação, intimidação e violência para controlar os outros e para satisfazer as suas próprias necessidades. Na sua falta de consciência e de sentimento pelos outros, apropriam-se friamente daquilo que querem, violando as normas sociais sem o menor senso de culpa ou arrependimento. Os sociopatas são incapazes de aprender com a punição, e de modificar os seus comportamentos. Quando descobrem que o seu comportamento não é tolerado pela sociedade, reagem escondendo-o, mas nunca o suprimindo, disfarçando de forma inteligente as suas características de personalidade. Por isso, os psiquiatras usaram no passado o termo ‘insanidade moral’ ou ‘insanité sans délire’ para caracterizar esta psicopatologia. “

O sociopata geralmente exibe um charme superficial e tem uma inteligência normal ou acima da média. Tem boa presença social e boa fluência verbal. Em alguns casos os sociopatas são os líderes sociais. Poucas pessoas, mesmo após um contacto duradouro com os sociopatas, são capazes de imaginar o seu “lado negro”, que a maioria dos sociopatas é capaz de esconder com sucesso durante sua vida inteira, levando a uma dupla existência. Sob situações de stress, os sociopatas podem adquirir o status de líderes regionais ou nacionais.

Se analisarmos os comportamentos dos chefes políticos, todos eles, à luz dos comportamentos típicos da sociopatia — se os tomarmos como potenciais sociopatas — talvez consigamos encontrar respostas para muitas interrogações a propósito das atitudes dos políticos que nos surgem a propor-se para nos conduzirem à felicidade.

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Carlos Matos Gomes
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Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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