A realidade dos interesses e a hipocrisia do moralismo de conveniência — Palestina
O que está a acontecer na Palestina é apenas mais um episódio sangrento do processo que teve início com a criação do Estado de Israel e que prosseguirá até este ser um Estado sentinela, habitado por eleitos que se reclamam da superioridade de raça e religião, com uma só história, um só deus. O primeiro massacre desta longa história de violência é, se me recordo, o que ficou conhecido por Deir Yassin, de 1948, ainda antes do fim do mandato britânico, quando milícias sionistas massacraram cerca de 150 refugiados palestinianos desarmados. O mais conhecido dos massacres talvez seja o de Sabra e Chatila, em 1982, no Líbano. Este recente “episódio” terá, de particular, a conjuntura internacional com a emergência de novos poderes mundiais, de redistribuição de fontes de energia, de moedas de troca, da multiplicação de focos de instabilidade em várias partes do globo que obrigam as grandes potências a dividir forças e a abrir “janelas de oportunidade” a potências regionais.
Entretanto, voltando à “guerra eterna” da Palestina, no nosso moralista Ocidente perdemos a conta aos mortos palestinianos e às iniquidades do Estado de Israel. O terror só teve e tem um rosto: palestiniano. A verdade é sempre a do mais forte. E nós, os ocidentais, somos mais fortes que os palestinianos, mais ricos e os palestinianos não têm nada a oferecer-nos. Israel, pelo seu lado, faz parte da nossa força e assegura parte do nosso modo de vida. Somos, os do ocidente, parte interessada no conflito e os nossos combatentes são israelitas! Já os queimámos por nada, mas agora desculpamos-lhes tudo!
O que aconteceu na Palestina há dias e ainda está a acontecer foi mais um ataque-resposta dos palestinianos à ocupação do seu território por europeus de religião judaica, os mais pobres em geral, de que os vencedores da II Guerra Mundial, em particular os EUA e a URSS, com a prestimosa ajuda do Reino Unido, se quiseram livrar. Nos seus estados as comunidades judaicas nunca se haviam integrado, exceto os grandes comerciantes e banqueiros, e eram um corpo estranho a que seria vantajoso dar alforria e terra (Angola teve para ser a terra eleita dos judeus no século xx! E o rei D. Manuel já os havia expulso de Portugal, no final do século xv, seguindo a opção dos reis católicos de Espanha). Para o efeito de atribuição da Palestina para instalar os seus judeus, os ocidentais utilizaram o belo argumento de recompensa pelos danos causados pelo nazismo e até pela santa inquisição.
A ocupação da Palestina tem uma história conhecida de violência e de corrupção até o Estado de Israel se transformar no que é: um estado teocrático, governado por um grupo que entende que só o domínio efetivo e total por judeus do território que ocupam garante a sua sobrevivência. Contam com o apoio dos EUA, que tomou Israel como o seu joker estratégico para o Médio Oriente e para o domínio das fontes de petróleo, mas também da Rússia, que enviou um forte contingente de colonos fundadores, asquenazes, que trocam informações e saberes com a grande comunidade judaica que se mantem em Moscovo e São Petesburgo, e tem um papel importante na ciência e no comércio internacional russos, também da Arábia Saudita e da União Europeia. Israel existe devido à sua localização estratégica e ao capital humano que promove saberes/conhecimento de altíssimo valor acrescentado na área das tecnologias de ponta, da informação, do espacial, da medicina, todas de duplo uso, civil-militar, garante ainda a ligação ao comércio de diamantes e de metais raros e ao sistema financeiro mundial. Por fornecer todos estes bens, e ter uma importância estratégica para o sistema de poder ocidental (o que inclui tanto os Estados Unidos como a Rússia) o Estado de Israel foi dotado capacidade militar nuclear e goza dos favores do mundo, que lhe asseguram a impunidade. A propósito do muito proclamado êxito da agricultura israelita. É uma falácia. A agricultura israelita produz colonos e colonatos que justificam a ocupação de terras dos palestinianos. As laranjas israelitas são um produto publicitário da extensão da ocupação de território pela força. A acompanhar os colonos encontram-se sempre os militares israelitas!
Para continuar a desempenhar o seu papel de “polícia mau” do Ocidente, Israel tem de dispor da plena soberania do seu território e concentrar os seus recursos ofensivos nos inimigos externos. O que significa que os palestinianos, o resto dos povos semitas que permaneceram na Palestina ao longo dos séculos e que se converteram ao islamismo, integrando vários impérios, não têm ali lugar. Têm de ser eliminados e é isso que têm estado a ser. A comunidade palestiniana não tem lugar no Estado de Israel. Qualificar qualquer ato de resistência à eliminação de terrorismo faz parte da Palestina faz parte do beaba da propaganda que serve esse objetivo. Há sempre boas almas a aliviarem a consciência com essas proclamações e uma massiva campanha de manipulação assegura o apoio generalizado aos fins não declarados de defender um forte Estado vassalo do Ocidente no Médio Oriente. A proposta de dois estados é uma falácia sem qualquer possibilidade de existência, não apenas porque as duas comunidades, a palestiniana e a judaica, não têm qualquer ponto de contacto e possibilidade de convivência, mas porque essa solução não serve a nenhum dos poderes fáticos. A quem interessa um estado palestiniano? Aos que ali instalariam bases de ataque a Israel. O estado palestiniano desempenharia para Israel o mesmo que a Ucrânia para a Rússia. Mas há quem defenda sem pestanejar e com o mesmo vigor o “direito à soberania absoluta da Ucrânia contra a Rússia invasora” e defenda o direito de Israel a impedir que os palestinianos sejam os zelenskis e os “azofes” do Médio Oriente e que considere uns heroicos nacionalistas e outros execráveis terroristas. A chamada moralidade “à la carte”!
De facto, não há lugar a um estado palestiniano e a moralidade é sempre hipócrita. O estado de Israel, com os falcões e os fanáticos reunidos à volta da Netanyahu, ou com as pombas que contestam o seu projeto de Estado totalitário, eliminará os palestinianos. É da natureza e os europeus são históricos praticantes do método de eliminar autóctones para lhes ocuparem o território. O que os israelitas vão (estão) a fazer aos palestinianos é um pormenor, uma coisa pouca, quando comparado com o que os europeus fizeram a todo um continente, o americano, eliminando indígenas e culturas desde o Alasca, a Norte, à Terra do Fogo, no Sul. Os palestinianos que sobreviverem viverão como os índios em reservas. É este o destino que o Ocidente lhes reserva e sabe como fazê-lo.
Entretanto, a propaganda faz o seu papel, tocando em várias escalas, rotula como terroristas a generalidade dos palestinianos , dividi-os entre bons, os que morrem, e maus, o Hamas e o Hezbolah, os que lutam, acusa diabólicos aliados (o Irão). Todos sabem que os palestinianos vão ser eliminados como pragas que se matam com um inseticida.