A exótica lógica dos apoiantes da política de Israel — e de como justificam a resposta a uma pedrada de um adolescente lançada por uma funda contra um blindado com uma bomba lançada por um bombardeiro sobre um hospital, uma universidade ou um prédio de habitação.
- Israel é uma democracia, logo pode atuar impunemente, desrespeitar as resoluções da ONU, a cometer genocídios. É democrático. Defende a democracia;
- Mas nesta estranha democracia de apartheid, outro argumento justificativo para admitir e justificar a rédea solta do exército de Israel para cometer a mais arrasadora violência é a de que o chefe do governo, Netanyahu, arguido em vários processos de corrupção e perseguido em tribunal, que tenta alterar as regras do jogo político e judicial para não ser julgado, não representa o povo israelita.
- Entretanto, entendem que Netanyahu tem autoridade para mandar o seu exército bombardear Gaza e invadir o território-prisão para o arrasar e exterminar as populações.
- Afirmam os defensores da ação de Israel que este está a exercer o seu direito legítimo de defesa contra um inimigo que o quer eliminar! É um argumento delirante. Israel é a maior potência militar da região, já sobreviveu ao ataque de três exércitos vizinhos, dispõe do mais moderno arsenal de meios terrestres, aéreos e navais, da mais alta tecnologia de informação e de acesso a dados transmitidos por satélite, dia e noite, em tempo real, é a única potência nuclear do Médio Oriente, está protegida por dois dos mais modernos porta-aviões americanos, cujo poderio individual supera o de qualquer potência média. E este Estado com o maior índice de militarização do planeta apresenta-se como uma pobre vítima em risco de ser varrido da face da terra por uma organização de guerrilha urbana!
- Afirmam ainda que Israel responde legitimamente a um ato terrível ato terrorista — que sendo terrível, é um ato legítimo de um povo a quem foram retirados os direitos elementares, incluindo o de viverem na terra que os seus antepassados nunca abandonaram, de terem sido encurralados numa prisão-gaiola, cercados por muros e redes, ficando à mercê de predadores — e esse ato do Hamas, não mais terrível do que tantos praticados por Israel, foi realizado com uma sortida de forças cercadas contra instalações do dispositivo militar de Israel, que são os colonatos, guarnecidos por famílias militarizadas e disponde de material militar de vigilância, de equipamentos de comunicações e de armamento adequado e não, como a propaganda quer fazer crer contra pacíficas famílias que cultivavam laranjas e à noite se reuniam em festas com cânticos e danças, do lado de fora das muralhas de Gaza, onde reuniram os antigos habitantes a quem haviam arrebatado as terras e as casas.
- O argumentário dos defensores da política de Israel conduz a absurdos que nunca são questionados nas suas arengas nos estúdios de rádio e televisão e nas redes sociais: o extermínio dos palestinianos da Faixa de gaza e a destruição das suas infraestruturas vitais, o corte de água, luz e combustíveis, a morte indiscriminada de seres humanos, classificados de animais é obra, segundo os desculpantes, de um chefe que não representa os israelitas, chefe de um governo ad hoc, que afirma com voz grossa e grande convicção pretender apenas o terrível Hamas, que, segundo os defensores de Israel, não representa os palestinianos de Gaza, o que justifica a decisão de Netanyahu de exterminar todos os palestinianos. É difícil de entender? Pois é. Por isso não se pergunta.
Nós, os europeus temos uma história por onde já passaram atos como os que estão a ocorrer em Gaza, já os praticámos. Devíamos reconhecer na decisão de Netanyahu de atacar os palestinianos de Gaza os princípios e os métodos da Inquisição e da cruzada contra os cátaros.
Um pouco de história que nos faz recuar ao século XIII: A 9 de março de 1208, o Papa dirigiu uma carta a todos os arcebispos do Languedoque e a todos os condes, barões e senhores do reino da França. Um fragmento desta dizia: “Despojai os hereges das suas terras. A fé desapareceu, a paz morreu, a peste herética e a cólera guerreira cobraram novo alento. Prometo-vos a remissão dos vossos pecados se puserdes limite a tão grandes perigos. Ponde todo o vosso empenho em destruir a heresia por todos os meios que Deus vos inspirará. Com mais firmeza ainda que com os Sarracenos, pois são mais perigosos, combatei os hereges com mão dura.”
Armados do poder divino, a 21 de julho de 1209 os cruzados posicionaram-se diante de Béziers, uma cidade do sudoeste de França, comandados espiritual e militarmente pelo legado papal Arnaud Amalric, abade de Cister, que perseguiu os habitantes até estes se refugiarem na igreja de Santa Maria Madalena. Teria sido perguntado a Arnaud Amalric como distinguir católicos de cátaros entre os habitantes da cidade. A sua resposta, registada Caesarius de Heisterbach, um historiador cisterciense, foi: Caedite eos. Novit enim Dominus qui sunt eius” “Matem-nos. Pois Deus sabe quem são os seus” Pelo menos 7 000 homens, mulheres e crianças foram massacrados sem distinção e mortos pelos cruzados.
Os defensores da ação de Israel concordam com esta forma de separar combatentes do terrível Hamas, dos habitantes de Gaza, homens, mulheres e crianças, que tomam como animais. Mas seria importante que esclarecessem qual o Deus que reconhecerá como seus os palestinianos bons dos maus? O Deus dos cristãos, dos judeus ou dos muçulmanos? E que homens e mulheres, cristãos, judeus ou muçulmanos reconhecerão os palestinianos como seus semelhantes? E quem dos dirigentes políticos da Europa, do Ocidente alargado, do farol da civilização para todos os humanos, reconhecerá os israelitas como os nossos cruzados e Netanyahu como o nosso Amalric com a sua hipócrita resposta e baseados em que direito e com que legitimação? O exército de Israel está a realizar a nossa cruzada do século XXI contra os infiéis palestinianos? Os crentes rezam por eles? Os não crentes aplaudem-nos? Os democratas entregaram-lhes a sua representação?