Carlos Matos Gomes
3 min read4 days ago

A desangustia das setas

Num dos dramas da antiguidade uma personagem morre por não ter sido capaz de ouvir o sibilar da flecha a aproximar-se. As eleições da primeira volta em França apenas surpreendem os surdos e os vendedores de banha de cobra.

As eleições deste domingo em França revelaram que a extrema-direita já está no poder há muito. Uma certa extrema direita, é certo, a da submissão política, económica e estratégica da União Europeia aos Estados Unidos. Macron é um quadro do banco Goldman Sachs, como Moedas e Barroso. Qual é a política de industrialização da França proposta por Macron e pelos bancos de investimento americanos? E de emigração? Quem invadiu a Líbia? E qual a política da França para Síria? E qual a política monetária da França face ao BCE? E como vai a França derrotar a Rússia? E qual a política de Macron para África? E qual o papel da França no Médio Oriente? E qual a relação da França com a China? E que espera Macron da nova warmonger Kallas como estrela orientadora da política externa da União Europeia? O que distingue, já agora, Kallas de Marie Le Pen? Quem é a extremista? Um admirável romance A Angustia do Guarda Redes antes do penalti, de Peter Handke, parte da situação tu pensas que eu penso que marcas para a direita e por isso vais disparar para a esquerda, mas, sabendo isso, vais rematar para a direita e eu sabendo que tu sabes que sei que vais rematar para a esquerda… o jogo pode prolongar.se indefinidamente. As duas warmongers que ocupam os lugares decisivos da União Europeia, com o beneplácito de Macron, de Sholz, colocam os europeus numa situação ainda mais absurda. Estúpida, para dar o nome às coisas.

Quando li este livro há muitos anos pensei que havia um erro: o guarda-redes não tem qualquer angústia antes do penalty (disputei uns jogos no lugar de guarda-redes), pois ninguém está à espera que ele defenda. Por isso, se não defender, ninguém o acusa de nada. Se defender, é um herói para todos. A angústia é toda do marcador, uma vez que é ele que sabe que todos o crucificarão se não conseguir marcar o penalty. Por isso, o marcador tem uma tarefa dificílima de marcar com precisão e ao mesmo tempo enganar o guarda redes, dissimulando o sítio para onde vai rematar. As duas warmonger são do género que se atiram para onde calha, se possível com grande condimento de gestos. É a extrema direita que se encontra entre os postes da baliza. E as duas warmonger são irresponsáveis.

Um outro ponto, dada a época futeboleira em que vivemos. Qualquer treinador de bancada, com uma mini e um prato de tremoços, sabe que se uma equipa do meio da tabela para baixo, caso da U E, for jogar com uma das três mais fortes candidatas ao título e colocar a avançado um jogador vindo das reservas, um podão que remata para onde está virado e sempre que está virado para algum lado, incluindo para a sua baliza e, a apoiar este podão, coloca um outro que remata de bico e para a bancada e, por fim, coloca a guarda-redes um nanico que não chega à trave estamos à espera de quê? Gritamos que a culpa da derrota é da extrema direita?