A curiosidade, os gatos e as alforrecas

Carlos Matos Gomes
3 min readJul 22, 2023

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Existem várias versões para a origem do ditado “a curiosidade matou o gato”. Uma delas é que, na Idade Média, os gatos eram mortos por serem associados às bruxas e os bons fiéis cristãos colocavam armadilhas para lhes atrair a curiosidade instintiva. O instinto da curiosidade pelo que o rodeia e o controlo do ambiente são tão importantes para os gatos quanto o respirar. É a curiosidade que os mantém vivos enquanto espécie, embora mate alguns. Acontece o mesmo connosco, os humanos. A curiosidade é o motor da história e a sua falta é também a armadilha que mata algumas das sociedades.

Em cada época foram as sociedades mais curiosas, as que procuraram controlar o ambiente em que existiam, aquelas que obtiveram maior sucesso, se o sucesso for medido em poderio, domínio e exploração. Quando as sociedades atingiram uma dimensão tal que deixaram de ter necessidade de serem curiosas entraram em declínio, ou implodiram, como foi o caso do império romano, ou se fecharam e isolaram, como no caso da China.

A Europa, que em números redondos representa 2%da superfície do planeta e 6,8% das terras emersas, sendo o segundo menor continente, a seguia à Oceânia, conseguiu produzir a partir do ano mil da era cristã, ou da primeira cruzada, a sociedade globalmente dominante devido à sua curiosidade em conhecer o que a rodeava. Tal como aos gatos, foi a curiosidade resultante da necessidade de controlar o meio onde existiam que levou os europeus a ir aos quatro cantos do mundo, com cruzadas, navegações marítimas e invasões terrestres, com a colonização e o colonialismo.

O colonialismo representou o pico do controlo do planeta alcançado com a curiosidade da Europa, mas foi a armadilha que a matou, tal como aos gatos. Após as independências das colónias americanas, a maioria no século XIX, a Europa ainda ficou com as colónias na Ásia e principalmente com a África. A África seria a causa da Grande Guerra e a perda das colónias por parte da Alemanha seria a causa da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha necessitava de espaço e de matérias-primas para controlar o meio onde existia, a Europa Central e, perdida a sua África, dirigiu-se para os territórios a Leste, Polónia e Rússia.

O resultado da Segunda Guerra Mundial representou uma derrota para a Europa, que além da perda das colónias lhe esvaiu a curiosidade, afastando-a dos novos “continentes” desconhecidos: a utilização militar do átomo e o espaço, a que se seguiriam as tecnologias da informação.

A Europa não é uma potência nuclear (o poder nuclear da França é risível e o da Inglaterra é dependente dos EUA), não é uma potência espacial, nem tecnológica. Os satélites e os programas de computação que conduzem a guerra na Ucrânia são americanos.

As posições da Europa (União Europeia e Reino Unido) a propósito do conflito na Ucrânia revelam que a Europa faleceu, ou vegeta, não por curiosidade, como alguns gatos, mas por falta dela, de ambição, de coragem, de energia.

Não tenho qualquer curiosidade pelo desfecho da guerra na Ucrânia, nem pelo valor do Euro, nem pelas resoluções do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia. O futuro é conhecido, a Europa jaz numa praia como uma alforreca que se deixou levar pelas correntes e pelo vento. Alguém consegue ressuscitar uma alforreca?

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Carlos Matos Gomes
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Written by Carlos Matos Gomes

Born 1946; retired military, historian

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