A administradora da TAP e a anedota do jacaré
O chinfrim (é disso que se trata) a propósito da saída de uma administradora da TAP, que recebeu uma boa indemnização e foi para outra empresa de onde transitou para o governo é uma algazarra como a que há anos, a propósito da lei do aborto, as beatas rurais mobilizadas pelos curas fizeram gritando à porta dos governos civis: “Não ao aborto, sim aos desmanchos!”
Há, é evidente, uma questão ética (falta de) na transumância da administradora da TAP, a engenheira Alexandra Reis. Ou ela quer ser quadro de topo de empresas privadas, ou ela quer uma carreira na administração pública. A lógica das empresas privadas é a do lucro, a das empresas públicas é (devia ser) a do serviço à sociedade. Mas ela pertence à geração do saque neoliberal, que foi educada a considerar os valores éticos questões para idiotas e perdedores. Ela foi educada a ver médicos a garantir uma base financeira segura como funcionários públicos nos hospitais do SNS e a aproveitarem todas os interstícios da lei para fazerem o seu chorudo pé-de-meia na medicina privada. Ela entende as empresas públicas como o chefe da ordem dos médicos e o chefe do sindicato entendem o Serviço Nacional de Saúde: um local de poiso de curta duração antes do voo para outras atividades mais lucrativas, ou dos jornalistas e comentadores avençados que passam das estações públicas para as privadas e regressam ao público para a administração de uma entidade reguladora, ou um gabinete do governo.
É este o caldo de cultura onde germinam engenheiros e engenheiras, jornalistas e pregadores de moral. O chinfrim a propósito deste caso, que até ressuscitou o Santana Lopes, tem o nome de descaramento e não de seriedade!
O objetivo intermédio desta campanha era o ministro das obras públicas, Pedro Nuno Santos (o final é o derrube deste governo). Nuno Santos morreu atropelado por um comboio de 12,5 mil milhões que pretende recolher matéria-prima de três minas:
- O novo aeroporto de Lisboa — as mais poderosas empresas de construção necessitam de um ministro por conta. Segundo estimativas publicadas são 5 mil milhões para um aeroporto novo (Alcochete), ou 1,15 mil milhões para a solução Montijo+Lisboa;
- A TAP. Ao contrário do que as empresas de lobbying têm feito crer a TAP possui ativos de grande valor: as rotas para África e para a América do Sul (Brasil e Venezuela) e desperta o interesse de vários grupos de aviação. Quanto mais desvalorizada estiver a TAP mais barata será para a Iberia/Air France/ Lufthansa/ British Airways./KLM. O Estado já lá injetou 3,2 mil milhões e os potenciais compradores querem uma pechincha!
- O TGV — quem irá construir as infraestruturas do TGV, quem irá fornecer o material circulante? O custo do projeto TGV tem sido apresentado como sendo da ordem dos 4,5 mil milhões.
Estes três negócios valem cerca de 12,5 mil milhões. Convém ter ministros amigos e um governo permeável. O clamor de base moral e ética de gente que até rouba o colete dos outros, mesmo dos que têm o casaco vestido, apresenta este fundo escondido, silenciado. Está a decorrer com grande êxito uma campanha dos predadores para convencer os pagantes de que 500 mil é maior que do que 12,5 mil milhões!
Lembram-me a velha anedota do crocodilo: Saiu uma nota na floresta a decretar que os animais com a maior boca iriam ser eliminados, a bem da sustentabilidade da natureza. Diz o jacaré: coitadinho do hipopótamo! Ambos têm a boca grande, mas uma das bocas come 500 mil e a outra de superior a 12, 5 mil milhões, no entanto, segundo vemos e ouvimos essa é que prejudica o meio ambiente!
Pensando no dinheiro que está em jogo percebe-se que a notícia (nada inocente, nem a bem do contribuinte) da indemnização à engenheira Alexandra Reis caiu como sopa no mel (era essa a intenção). Os jogadores voltaram a sentar-se à mesa do casino.
O falecido Arnaldo de Matos concluiu genialmente: Isto é tudo um putedo! O “educador do proletariado” conhecia o milieu, os bas fonds e, apesar dos muitos defeitos, ao contrário dos dois jovens políticos ensarilhados nesta rede possuía a sabedoria do Diabo, que é diabo por ser velho e viver entre manhosos e criminosos e não por ser intrinsecamente mau.